quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Os engenhos da máquina do mundo

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Por Germano Xavier


"Atravesso a noite
lírico:
sou poêmio."

(Trecho de POEMIA, de Wilson Pereira)



Marcelo Mourão, poeta carioca, publicou em 2016 o livro de poemas MÁQUINA MUNDI. O livro é dividido em cinco partes, intituladas na seguinte sequência: A máquina do mundo ou O mundo da máquina, As engrenagens de Eros, Os mecanismos poéticos, Os engenhos de dentro e A máquina de interrogações. Todos os capítulos, por assim dizer, juntos, elaboram uma visão sobre a atualidade, sobre a realidade das relações humanas que vigoram no hoje e terminam por esboçar uma visão de mundo autêntica acerca do que se passa com o agora da humanidade.

Mourão é feliz ao escolher as palavras com que narra suas angústias e medos, pois sentidos vivos por demais expressivos podem ser visualizados desde as primeiras páginas. Beijando a face de filósofos e escritores de rara estirpe, num jogo de alusões e de referencialidades bem direcionadas, o poeta, que também é um dos idealizadores do Sarau POLEM (Poesia no Leme), retrata a doença da modernidade com olhos sinceros e ao mesmo tempo simples. O resultado é um corpo poético onde cabem várias forças orgânicas de imaginação e de existência.

MÁQUINA MUNDI é um pequeno tratado poético que intenta, ao fundo, a promoção de um senso de resistência. Resistir, convenhamos, é tão essencial hoje em dia quanto respirar. Num mundo onde a informação desinforma, onde amor desanda e agride, onde o homem decide desumanizar-se para chegar ao topo (dos nadas), onde o maior peso é o de não-ter, a poesia de Mourão escancara a certeza de que a dúvida está muito presente no ser (humano) do homem contemporâneo. O mundo, sabemos, espera já cansado um ressurgimento, um rebrotamento. A arte, esmagada pelas catástrofes diárias, inclina-se, doente, para o horizonte dos quandos.

Assaz assim, há quem comporte a absoluta resolução dentro de si acerca da função inutilitária conferida à poesia, não raras as vezes colocando-a num rol onde se despejam sandices e alumbramentos vãos. Todavia, é sendo esse acessório aparentemente “inútil” que a boa poesia revela-se tal qual um grande artefato de luta e de rebeldia. A poesia contida nos engenhos de dentro de MÁQUINA MUNDI não instaura um manual para bons comportamentos nem está a serviço da ordem da informação seca, antes se pronuncia enquanto conjunto de mensagens sobre o desconforto da vida moderna.

Inusitado, MÁQUINA MUNDI explica o inexplicável, o mundo que perdeu o rumo, o homem que naufragou nas águas do tempo, o tempo que está sem receber a corda necessária. Mourão nos faz recordar aqui as palavras de Louis Guillaume, que dizia crer “que numa sociedade a poesia não serve para nada, e nisso é que está seu valor”. Sim, a poesia, de quem quer que seja, não serve para nada nem jamais servirá. Mas é somente ela, a boa poesia - este deus-ser ilógico e sublime -, que tem a potência e a sagacidade de nos prestar para tudo.

(Oficina Editores, 2016)

* Imagem: http://www.deviantart.com/art/Black-Light-81834879

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