quarta-feira, 30 de abril de 2014

Memorial - TCC UNEB 2009

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS- DCH III
COMUNICAÇÃO SOCIAL – JORNALISMO EM MULTIMEIOS

IRAQUARA - EM MEMÓRIA DE NÓS
(LIVRO-REPORTAGEM)

GERMANO VIANA XAVIER

JUAZEIRO-BA
MARÇO / 2009

GERMANO VIANA XAVIER


IRAQUARA – EM MEMÓRIA DE NÓS
(LIVRO-REPORTAGEM)


JUAZEIRO-BA
MARÇO / 2009

Agradecimentos

Agradeço a Deus.
Agradeço muitíssimo ao meu pai Carlos Adailton Xavier, homem-maior em minha vida.
Agradeço muitíssimo à minha mãe Irlan Viana Pimenta Xavier, mulher-maior em minha vida.
Agradeço ao meu irmão Gustavo Viana Xavier, irmão-maior em minha vida.
Aos colegas de estudo e trabalho, de ontem e de hoje, pelas travessias.
Aos professores, de ontem e de hoje, pelos ensinamentos.
E, principalmente, ao povo iraquarense, por compartilhar comigo o sangue cristalino que desce das cachoeiras da inigualável Chapada Diamantina.
Minha gratidão, sempre.


“A memória é o espelho onde observamos os ausentes”.
Joseph Joubert

“A história é émula do tempo, repositória dos fatos, testemunha do passado, exemplo do presente, advertência do futuro”.
Miguel de Cervantes
Resumo

Este trabalho demarca o percurso trilhado para a produção do livro-reportagem Iraquara - em memória de nós, projeto experimental no segmento de jornalismo impresso. De antemão, consideramos o gênero cronístico extremamente apto à elaboração de um conteúdo cujo teor central é o seu caráter de revisitação histórica. Deste modo, por meio da escrita de crônicas, buscamos mostrar que, ao contrário do que aprioristicamente possa se imaginar, o texto leve e aparentemente despretensioso da crônica pode muito bem servir como suporte para a efetuação de um resgate histórico-memorial de uma dada localidade e/ou povo. No presente caso, nosso enfoque baseia-se no município baiano de Iraquara, incrustado na região da Chapada Diamantina. Construir um panorama que abarque costumes, crenças, mudanças espaço-temporais, personagens importantes, fatos, causos do passado e presente iraquarenses, utilizando-se do jogo ficção x realidade, é indubitavelmente o nosso maior objetivo. Para tanto, recorremos à etnografia como metodologia de trabalho, por entendermos que o conhecimento etnográfico auxilia de forma efetiva e gradual no saber do progresso sociocultural de um determinado local e de uma respectiva população. Para finalizar, a leitura de livros de diversos autores, assim como a observação minuciosa de materiais audiovisuais ligados ao tema do projeto, terminaram por alicerçar ainda mais o caráter de veracidade dos fatos narrados a que o projeto se destina.

Palavras-chave: história, memória, livro-reportagem, crônica, etnografia.

Sumário

I. APRESENTAÇÃO.................................................................................07
II. PERCURSO ACADÊMICO...................................................................11
III. DIÁLOGO COM OS AUTORES............................................................13
IV. O PRODUTO E OS PROCESSOS.......................................................20
V. CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................22
VI. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................23
VII. ANEXOS................................................................................................25


I. Apresentação


Iraquara – Em memória de nós é o título do projeto experimental por ora apresentado como trabalho de conclusão do curso de Comunicação Social/Jornalismo em Multimeios da Universidade do Estado da Bahia, Campus III. Trata-se de um livro-reportagem que mostra, através de crônicas, como parte da história e da memória do município baiano de Iraquara pode ser registrada através da escrita cronística, sem que haja relevantes prejuízos à história/memória do lugar concernentes ao que tange à veracidade ou verossimilhança dos fatos observados e narrados.

A constatação que tive, após algumas pesquisas, da enorme carência de material histórico-memorial na/da/sobre a cidade de Iraquara foi o ponto de partida para o início da produção do trabalho. Depois da leitura do livro Iraquara ontem, hoje e sempre, da escritora Maria Neta Félix, que traça um perfil do município chapadense utilizando-se de uma linguagem estritamente formal, típica de pesquisas historiográficas, resolvi narrar fatos e causos ligados a esta região por meio de uma linguagem menos “dura” e/ou categórica.

No intuito de concretizar o objetivo de retratar parte do panorama sociocultural de Iraquara, tendo em vista seu passado e seu presente, optei por um gênero textual bastante conhecido no meio jornalístico, mas que até hoje ainda desperta inúmeras dúvidas e curiosidades. A crônica, com seu território de acesso livre tanto à realidade quanto à ficção, revela-se como sendo um campo demasiado fértil para inovações e invocações, ainda mais quando se trata de revisitar/resgatar um “tempo perdido” através de seu suporte.

O presente memorial desenha os itinerários que resolvi seguir – ou que tive obrigatoriamente de seguir - para realizar a feitura do livro-reportagem Iraquara- Em memória de nós. Ademais, apresentarei as experiências que me conduziram ao tema do trabalho, os autores estudados e os processos de montagem do livro, desde a captação dos depoimentos e realização de entrevistas até a finalização do projeto.
Desse modo, Iraquara – Em memória de nós ajuda a abrir e a sedimentar uma nova perspectiva para o potencial comunicativo vigente tanto no Vale do São Francisco - já que se trata de um livro-reportagem, gênero jornalístico ainda pouco difundido na região -, assim funcionando, também, como um espelho para possíveis futuros projetos histórico-midiáticos no município de Iraquara e região. Em contrapartida, propõe uma reflexão sobre a capacidade intrínseca à crônica de perpetuar de maneira limpa e clara a memória de um povo.

A relevância temática e do produto midiático

Ganha relevância, principalmente por dois aspectos, o trabalho de conclusão de curso (TCC) aqui descrito. O primeiro é o objeto de estudo em si (história e memória da cidade de Iraquara-BA) e o segundo seria o suporte de mídia escolhido (livro-reportagem/crônica) para retratar o primeiro. Portanto, o desejo era unir os valores sociais e históricos do tema ao poder criativo/extensivo do gênero livro-reportagem/crônica.

No que se refere à Iraquara, bastaria dizer que, assim como eu, todos os habitantes do lugar escrevem e deixam registros históricos e/ou memórias cotidianamente. Todos os dias construímos parte de um história, contribuímos para a formação ou desconstrução identitária do indivíduo natural daquelas paragens. Portanto, cada iraquarense, seja jovem, adulto ou idoso, é um ator social e sujeito de uma história coletiva. Mas que, infelizmente por vários motivos, pouco há de registro em caráter oficial, o que acaba prejudicando sobremaneira nosso senso de pertencimento e importância para com o lugar.

Ao que concerne ao formato do TCC, cabe salientar que o livro-reportagem, apesar de ter se sedimentado em meados do século XX, sendo profundo devedor do início das reportagens, que aconteceu principalmente na década de 20 daquele século, é ainda um gênero pouco explorado em nosso país e, por conseguinte, em nossa região. Desse modo, minha opção pelo livro-reportagem se deve à possibilidade de explorar os recursos oferecidos pela extrema maleabilidade da crônica, uma das inúmeras modalidades com que o livro-reportagem pode ser trabalhado.

Como bem observou Edvaldo Pereira Lima (2004), o livro-reportagem atua como um extensor do jornalismo impresso, realizando o aprofundamento dos temas, algo que os veículos periódicos, geridos por condições próprias de produção, incluindo aqui fatores como limitações de tempo e espaço, não são capazes de abarcar.

Foi possível trabalhar, através da opção livro-reportagem, os valores de originalidade e a articulação criativa que o tema exigia, a começar pela possibilidade de nele mesclar ficção com realidade, prezando, claro, pela fidedignidade e relevância dos fatos narrados.

No livro-reportagem Iraquara- Em memória de nós esforcei-me para utilizar todos os recursos que a linguagem escrita oferece: coerência, clareza, humanidade na voz do ser narrador, musicalidade, descrição, impressionismo, entre outros.

Com isso, o que é construído a partir dos textos, das impressões pessoais do autor e da explicitação dos fatos, tende a proporcionar uma cadeia de compreensões várias, assim como representações e significações diversas para o sujeito leitor.

II. Percurso acadêmico

O percurso trilhado até chegar ao projeto experimental do livro-reportagem sobre a cidade de Iraquara foi simples, porém, ao mesmo tempo, demasiado complexo.

O primeiro motivo que me fez ir a fundo ao tema foi a questão de eu ser natural e de ter vivido 14 anos ininterruptos na cidade. Era um desejo meu o de contribuir de algum modo para com o panorama cultural da localidade. Outra questão fundamental para a tomada da minha decisão foi a percepção de que Iraquara possui pouquíssimos materiais e/ou registros que ajudam a “guardar um determinado tempo histórico” em formato de livro ou qualquer outro suporte midiático.

Os citados 14 anos vividos na cidade de Iraquara são justamente os que vão do nascer à adolescência. Depois, por motivos de almejar melhores expectativas de estudo, morei nas cidades de Canarana-BA, Irecê-BA e Salvador-BA, respectivamente. Durante o tempo que morei longe de Iraquara, pude olhar a cidade sob uma nova perspectiva que não a de um vivente nato. Agora passaria eu a observá-la de longe, como um estrangeiro que apenas aportava em suas terras nos períodos de férias escolares.

O processo de ir e vir, como numa gangorra, continuou igual a partir do momento que me fiz rumar a Juazeiro para fazer o curso de Comunicação Social/Habilitação Jornalismo em Multimeios na UNEB. E a cada regresso e partida, sentia que Iraquara, tal qual um ser mutante provido de vida, mostrava-se sempre diferente aos meus olhos, mudando, transformando-se numa outra cidade diferente daquela que tive a chance de vivenciar mais de perto.

Todavia, foi somente no oitavo semestre (penúltimo) do curso que o que antes era apenas um desejo começou a se concretizar como idéia passível de materialização.

Este despertar tardio fez-me estabelecer ligações e relações mais íntimas com as memórias (ou com a memória) que eu guardava a cerca da minha cidade natal, sem nunca me desvencilhar da preocupação de obrigatoriamente me prender à história real e às impressões fidedignas dos costumes, modos, crenças e aspectos de identidade de uma coletividade, ou seja, do povo iraquarense.

Para tanto, naveguei por uma bibliografia que ia desde as preocupações com o gênero livro-reportagem, passando pelas problemáticas que envolvem o fazer cronístico, até, e por fim, aos métodos etnográficos que arvoram um tecido de pesquisa historiográfica.


III. Diálogo com os autores

O primeiro registro documental escrito em terras brasileiras é, antes de ser avaliada como sendo uma carta/epístola, uma crônica. Ousadia querer afirmar com total certeza a data de nascimento desse gênero traiçoeiro e tipicamente brasileiro. Todavia, tal afirmação pode ser encontrada em uma quantidade inesgotável de obras e também no pensamento de diversos estudiosos da história e da literatura, sendo que ficam perceptíveis as diferentes prováveis datações acerca do alvorecer do texto cronístico. O caráter informacional, de retratação e personificação de indivíduos e ambientes presente na Carta de Pero Vaz de Caminha, escrita nos primórdios do período colonial, aliado ao sentido cronológico que lhe é intrínseco, pode ser considerado essencial para que esse tipo de narrativa valha enquanto relato histórico. A “Carta de Descobrimento” é prova mais que cabal de que o texto cronístico confunde-se com a fundação do povo brasileiro.

O surgimento da crônica é muito anterior à invenção da imprensa de tipos de Gutenberg. Por conseguinte, é ainda mais remota que qualquer manifestação de imprensa, esta vista não como a máquina, mas como o sistema comunicacional. A gênese da crônica foi a realização que assumiu o posto da historiografia da era do medievo, alcançando quase que a totalidade das regiões européias. Ela volve à conotação de fatos históricos, agindo sempre sob o monitoramento de uma ordem temporal. Atividade iniciada na Idade Média, aproximadamente na segunda década do século XV, Fernão Lopes, mestre-mor das narrações portuguesas, foi um dos mais relevantes cronistas e difusores dessa prática. Ficou para ele o difícil e intrigante desafio de redigir a História Portuguesa. Desafio superado através do fabrico textual moldado na estrutura da narrativa cronística.

A Carta de Pero Vaz de Caminha foi a primeira crônica com razão histórica escrita em território brasileiro. Texto esse de extrema importância para a história da literatura nacional, onde há a produção de um relato direcionado ao rei de Portugal D. Manuel, no desígnio de lhe mostrar os detalhes da viagem e, principalmente, da chegada da armada liderada pelo navegador Pedro Álvares Cabral ao território brasileiro no ano de 1500. Segundo Bender e Laurito (1993), mesmo não sendo registrada como sendo uma crônica propriamente dita, a Carta de Descobrimento deve ser considerado um texto cronístico, já que antecipa um paralelo que une história e memória de um tempo.

Pertencente ao que foi denominado de período Quinhentista da literatura brasileira, esse documento está inserido no que se convencionou chamar de literatura de informação, posto que o maior intuito dos escritores dessa época era o de recomendar mensagens e notícias das terras descobertas para as metrópoles, fator que a tornava um libelo recheado de detalhes e dados importantíssimos. A crônica é:

“um gênero literário de prosa, ao qual menos importa o assunto, em geral efêmero, do que as qualidades de estilo, a variedade, a finura e argúcia na apreciação, a graça na análise de fatos miúdos e sem importância, ou na crítica de pessoas. São pequenas produções em prosa, com essas características, aparecidas em jornais ou revistas” (COUTINHO, 1999, p.121).

Em resumo, a crônica é geralmente percebida como qualquer tipo de relato que segue uma ordem cronológica. Outro detalhe a ser exposto logo de início é que a crônica não surgiu intimamente ligada ao ambiente jornalístico, como é de fácil associação nos dias atuais. Visto na sua atual existência enquanto gênero textual dotado de particularidades e caminhos bem definidos, já que nem sempre a crônica foi exemplo de autonomia estética, em sua acepção mais próxima à modernidade ou, ainda, como simples relato de fatos históricos, o termo "crônica" une-se à noção de tempo. Massaud Moisés (1978, p. 245) situa o significado etimológico da palavra, escrevendo: "Do grego Chronikós, relativo a tempo (chrónos), pelo latim chronica, o vocábulo ”crônica" designava, no início da era cristã, uma lista ou relação de acontecimentos ordenados segundo a marcha do tempo, isto é, em seqüência cronológica".

Marco da história e da literatura sobre o/no e do Brasil, a narrativa cronística ganhou asas rapidamente e passou, quase que de forma automática, a conquistar e legitimar o seu espaço nas páginas dos jornais impressos, amplificando seu propósito temporal para, desse modo, transformar-se num gênero narrativo autônomo e livre, ao passo que solidificava seu próprio arcabouço estético-estilístico. Segundo Carlos Eduardo Bione (2007), o surgimento e evolução da crônica brasileira estão diretamente ligados à história do desenvolvimento da imprensa no Brasil, uma vez que, ao longo de seu percurso, invariavelmente a crônica esteve ligada a esse meio de comunicação.

Aliás, o transplante da crônica para outros ambientes, que não os de mero caráter documental e/ou histórico, foi de fundamental importância para que o conceito acerca desse gênero começasse a se ampliar. "Da História e da Literatura, a crônica passa ao jornalismo, sendo um gênero cultivado pelos escritores que ocupam as colunas da imprensa diária e periódica para relatar os acontecimentos pessoais". (MELO, 2002, p.141). Dentro do suporte do jornal, o texto cronístico conseguiu distanciar-se da preocupação e da prisão do fator tempo e começou a agregar novas características, expandindo cada vez mais o seu leque de significados e, também, de usos.

A desassociação ambiental que erigia barreiras ao texto cronístico e as suas transformações mais marcantes puderam ser mais bem observadas a partir do início do século XIX, quando esse tipo de texto era chamado de “folhetim” e já muito usado pelos escritores e jornalistas da época.

“Depois do Romantismo, a crônica não se legitima apenas dentro de uma tradição da narrativa [...]. O cronista estabelece novos processos de enunciação, ultrapassa os limites impostos pela conotação, procurando transformar o exercício da crônica num espaço textual que absorve, criticamente, várias linguagens. Neste sentido, a crônica não se define apenas a partir do grau de literariedade nem do referencial jornalístico: torna-se a possibilidade de leitura dos níveis lingüísticos passíveis de uma reconstrução no interior do jornal” (PEREIRA, 2004, p.30-31).

Foi aí que a crônica começou a dialogar com mais sentimentos e sentidos humanos, bulindo com todo o tipo de inquietação e agonia do ser, mexendo com uma sociedade cujo consumo e modo de vida capitalista vinha sendo declarado a cada esquina ou avenida. Para isso, a crônica teve de adaptar-se, pois antes desse período o cronista esteve menos preocupado em expor os fatos presos pela rigidez de um tempo. Diante disso, esboçar a construção de um cenário onde a razão cedesse o lugar à imaginação acabou sendo ordem para aqueles que da crônica faziam uso. Deste modo, criou vínculo forte com a prosa e com a poesia, conquistando espaço bastante representativo no mundo da literatura.

"A crônica oscila, pois, entre a reportagem e a Literatura [...]" (MOISÉS, 1978, p.251). Percebendo os dizeres de tal afirmação, ficamos sujeitos a julgar a crônica como um suporte textual por demais dependente do sistema jornalístico. A visão é tomada como verdadeira justamente quando não tomamos consideração da capacidade que tem a narrativa cronística de ultrapassar o caráter referencial da mensagem pelos quais os textos de periódicos transitam. A fortuna de estilo e de significado da crônica lhe dá o direito de andar livremente pela totalidade de espaços enunciativos e de fomentação de discursos. Sobre a autonomia da crônica, Davi Jr. Arrigucci (1987, p.64) vai dizer, "[...] a crônica é a forma complexa e única de uma relação do Eu com o mundo [...]. Uma arte narrativa, enfim, cotidiana e simples, enroscada em torno do fato fugaz, mas liberta no ar, para dizer a poesia do perecível".

Muitas vezes combatida e olhada com desdém, justamente por saber trilhar caminhos diversos e não se render a nenhuma forma ou padrão, a crônica foi alvo de inúmeras críticas e, por muito tempo, colocada como uma tipologia textual “menor”. Mas vários foram os fatores que influenciaram para a guinada ocorrida e para a reviravolta ocorrida com a crônica. O século XX surgiu e com ele mudanças da ordem do trabalho, a imprensa se renova e torna-se mais industrial, guerras eclodem, o rádio surge, mais tarde a televisão e o computador, entre tantos outros acontecimentos que vieram ocasionar enormes transformações no seio da imprensa e no modo de se escrever o mundo.

Agora vista como um bem de consumo, a notícia passa a ser regida pelas necessidades e pelos gostos de um público leitor cada vez mais exigente e atento. Mudanças foram feitas no corpo do aparelho midiático, o que fez com que o cronista também mudasse. Tudo para dar ao seu texto um caráter atemporal, vivo e coerente para com a veloz mutação das gerações. Assim posto, fica evidente que o gênero aqui estudado é sinônimo de flexibilidade e maleabilidade. “[...] a crônica tem um ar de aprendizado de uma matéria literária nova e complicada, pelo grau de heterogeneidade e discrepância de seus componentes, exigindo também novos meios lingüísticos de penetração e organização artística" (ARRIGUCCI, 1987, p. 57).

Mesmo quando o cronista lapida os fatos tendo como fundamento a denotatividade, ele consegue, através das inúmeras possibilidades que a crônica lhe oferece, como a fácil tramitação pelo terreno da Estilística – figuras de linguagem e suas fragmentações -, como também o passear pelas diversas funções da linguagem – referencial, poética, apelativa... -, fazer com que a produção de sua mensagem e de seu discurso não fique presa a restritas significações e a poucos sentidos. Por isso, considerar a crônica como um gênero “menor” é de uma precocidade sem tamanho.

“Não há literatura sem fabulação, mas, como Bergson o soube ver, a fabulação, a função fabuladora, não consiste em imaginar nem em projetar um eu. Contrariamente a isso, ela atinge essas visões, eleva-se até esses devires ou potências” (DELEUZE, 1993, p.13). Diante de tudo o que é perceptível, e ainda da facilidade que a narrativa cronística possui de também ser sustentáculo para construção de histórias, verossímeis por completo ou não, fica o registro de que a crônica vai bem se destinada à concepção de um mundo particular. Haja vista que pode ela, diante da observação aguda do cotidiano, de sua inserção nos “ecossistemas” pretendidos para retratação, de sua fluidez textual e de sua agilidade enquanto texto, desempenhar o papel de comportar a matéria de todo um vivido, de toda uma experiência existencial e histórico.

A imprensa brasileira, agora já enrustida no século XXI e profundamente afetada por sua histórica defasagem frente à desenvolvida nos outros recantos da América, terminou por viver uma época de reavaliação de modelos e de modernização intensa. Ao mesmo tempo, a narrativa cronística, por sua vez, tornou-se uma espécie textual com infindáveis possibilidades lingüísticas, representativas e temáticas, sofrendo ainda e sempre uma enumeração de desmerecimento por ser tida como um gênero sem compromisso, de fraca dicção e sem contundência, o que soa demasiado contraditório, principalmente quando se toma o fato de que alguns dos mais importantes escritores brasileiros se renderam à capacidade que a crônica possui de transmitir, com clareza e certa simplicidade, uma mensagem. Olavo Bilac, Rui Barbosa, José Lins do Rego, Rubem Braga e o próprio Machado de Assis, tido por muitos como a maior expressão literária nacional, são exemplos que evidenciam tal fato.

A construção de um registro escrito de base histórica, feito de impressões pessoais sobre um mundo, uma sociedade ou até mesmo sobre um indivíduo é inteiramente aceitável, mormente quando se tem a percepção exata da abrangência de temas e de significados que a crônica alcança. O registro da história nossa de cada dia, captado diante da observação de conversas, coisas, comportamentos, modelos, experiências, sentimentos, alheios ou não, entre tantos outros fatores, é alvo de fácil visualização quando se adentra no texto de um cronista.

Ao cronista não suporta apenas a implicação de retratos de tempos restritos. O cronista é, antes de tudo, um inventor. Um inventor de história, real, irreal, real-irreal, surreal, pois não está preso aos fatos, ou a quaisquer moldes, e pode usar de todo o seu aprendizado de vida para a construção do que se quer. A crônica extrapola toda e qualquer esfera de significados e de representações para reinterpretar o mundo e fazer o novo.

A crônica lê o mundo e faz o mundo. De forma independente e inteiramente disposta ao poder de argumentação e análise de quem a escreve, antecipa revoluções, transforma princípios, forma opinião, dialoga com tendências, revoluciona e revoluciona-se, encontra-se e se deixa encontrar, sintetiza, engrandece, ficcionaliza e respeita o fato, fotografa o real e orna a realidade com a sutileza do olhar mais profundo, critica, emociona, desmembrando para todo o sempre o que é de caráter estático e irredutível.

O histórico da narrativa cronística revela a sua riqueza e toda a sua grandeza perante os outros gêneros e tipos textuais, pois, indubitavelmente e com certa vanguarda, a crônica, como diz Deleuze, também está inteiramente apta a “inventar um povo que falta”, (DELEUZE, 1993, p.16).

IV. O produto e os processos

Após a sedimentação e escolha do material bibliográfico a ser estudado, assim como a efetuação das devidas leituras e análises, o processo de produção do projeto experimental livro-reportagem Iraquara - Em memória de nós contou com a realização da etapa de entrevistas, coleta e recorte de materiais de caráter documental, assim como a visualização de vídeos produzidos sobre a cidade.

Cabe ressaltar que a maioria das entrevistas e depoimentos colhidos foi feita no mês de janeiro do ano de 2009, quando pude estar pessoalmente na cidade de Iraquara. Depois de terminada essa fase da pesquisa e transferido as entrevistas para do gravador para o papel, aferido e conferido dados, deu-se a escrita propriamente dita das crônicas.

Os entrevistados foram selecionados no intuito de atender à proposta do anteprojeto. Houve a preocupação de encontrar e conversar com pessoas as mais idosas possíveis, a fim de facilitar a apreensão e a compreensão de dados do passado com os do presente, coletados principalmente a partir da participação de jovens e de minhas impressões pessoais.

Muitos dos lugares descritos nas crônicas foram revisitados, a fim de que o processo descritivo presente nos textos fosse o mais verossímil possível. A maioria das entrevistas e informações foi colhida nos lugares “desenhados” pelos textos, através dos próprios personagens e/ou seus familiares.

Houve a preocupação de registrar o nome verdadeiro das pessoas retratadas e não ficcionalizá-las, no justo desígnio de aproximar mais o leitor da realidade histórica da cidade chapadense.

Nas crônicas onde a impressão pessoal prevalece, busquei enfatizar a paisagem ética e estética dos costumes e dos valores que permeiam o universo identitário coletivo da cidade e de seu povo.

Feito isso, o produto escrito recebeu os últimos ajustes, escolhi junto ao meu orientador a ordem de apresentação das crônicas e levei o material para a gráfica, onde foi diagramado e impresso em formato padrão.

V. Considerações finais

Após o caminho percorrido durante toda a minha passagem acadêmica e diante do Trabalho de Conclusão de Curso realizado, inúmeras questões povoam o meu imaginário. Uma delas é se a figura do iraquarense, assim como de suas tradições e costumes, fatos e causos, foi de alguma forma visualizada e preenchida de significados vários através do meu projeto.

Se a resposta for positiva para os prováveis leitores desta obra, que está apenas em seu estágio inicial, posto que quero me dedicar a ela e engrandecê-la de todas as maneiras, tanto quantitativamente quanto qualitativamente, ficarei com a sensação de dever cumprido.

O livro-reportagem Iraquara- Em memória de nós é uma provocação àqueles que reduzem o texto cronístico a uma mera retratação instantânea e quase fotográfica de uma dada realidade, quase sempre desprezando a sua inestimável capacidade de, enquanto possibilidade para a narração de fatos histórico-atemporais, construir um universo verdadeiro-verossímil onde a identidade histórica de um lugar e/ou povo seja preservada com eficiência.

É meu desejo que este projeto seja capaz de acender uma chama para a reflexão sobre a arte de guardar um determinado tempo histórico através da suavidade e responsável delicadeza do gênero textual crônica. Também espero que o livro-reportagem Iraquara – Em memória de nós desperte mais a atenção de estudantes e profissionais de jornalismo da região do Vale do São Francisco e de todo o país, haja vista o incomensurável potencial comunicativo presente nesse respectivo suporte midiático.

E, por fim, é meu anseio que o conhecimento esteja sempre em construção.

VI. Referências bibliográficas

ARRIGUCCI, Davi Jr. Fragmentos sobre crônica. In: Enigma e comentário: ensaios sobre literatura e experiência. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

BENDER, Flora; LAURITO, Ilka. Crônica: história, teoria e prática. São Paulo: Scipione. Col. Margens do texto, 1993.

BIONE, Carlos Eduardo. A escrita crônica de Hilda Hilst. 2007, 215 f. Dissertação (Mestrado em Teoria da Literatura) - Programa de Pós-graduação em Letras, Universidade Federal de Pernambuco, Recife.

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer; tradução Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis – RJ: Vozes, 1994.

COUTINHO, Afrânio. Ensaio e crônica. In: _____. (Org.). A literatura no Brasil. 5. ed. São Paulo: Global, 1999, v. 6. p. 117-142.

DELEUZE, Gilles. A Literatura e a Vida: Crítica e Análise. São Paulo: Editora 34, 1993.

FERREIRA, A. B. H. Novo Aurélio. Rio de janeiro: Nova Fronteira, 1999.

LIMA, Edvaldo Pereira. Páginas Ampliadas: o livro-reportagem como extensão do jornalismo e da literatura. São Paulo: Manole, 2004.

MELO, José Marques de. A Crônica. In: Jornalismo e literatura: a sedução da palavra. São Paulo: Escrituras Editora. Col. Ensaios transversais, 2002.

MOISÉS, Massaud. A criação literária: Prosa. São Paulo: Cultrix, 1978.

PEREIRA, Wellington. Crônica: a arte do útil e do fútil: ensaio sobre crônica no jornalismo impresso. Salvador: Calandra, 2004.

SÁ, Jorge de. A crônica. São Paulo: Ática, 2005. Série Princípios.

TRAVANCAS, Isabel. Fazendo etnografia no mundo da comunicação. In Lago, Claudia; BENETTI, Marcia. Metodologia da pesquisa em jornalismo. Petrópolis – RJ: Vozes, 2007.

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