sábado, 15 de março de 2014

O ABC literário de Ezra Pound

Imagem: Google
Por Germano Xavier


Ler poesia não é uma tarefa das mais simples. O gênero é complexo, repleto de nuances subjetivas e muitas vezes entorpece o leitor por conta de suas tantas curvaturas e entrelinhas. O verso e a estrofe, apesar de serem recortes de um corpo menor se comparado à linearidade de um texto em prosa, pode elaborar significâncias inimagináveis. Escrever poesia, por outro lado, também não é uma tarefa fácil. Para Ezra Pound, poeta e estudioso da literatura do século XX, lidar com a poesia requer muito dinamismo, esperteza e, sobretudo, cuidado. Para começar, é preciso aliar pragmatismo ao exato exame da matéria que está sendo estudada/observada/contemplada/escrita. Até porque poesia é condensação, é ajuntamento de tudo que entra e sai, que é expelido e absorvido, é união. 

Para Pound, em seu livro ABC DA LITERATURA, o bom poeta é aquele que soube, sabe ou saberá usar das palavras mais simples e funcionais, que não discute o poeta, mas antes se envereda pelo poema no que ele mesmo traz de si. E para que se chegue a tal nível de iluminação, o poeta (ou qualquer ser de órbita parecida) precisa efetuar um exercício diário de comparação, poema e tempo, poema e poeta, poema e poema, poema e sociedade, poema e história, além de fugir ao máximo das garras de qualquer abstração vulgar e desnecessária.

Pound enxerga a classe dos artistas como sendo esta a das antenas da raça humana, seres captadores e catalisadores dos fatos e de seus desdobramentos os mais fundamentais. O escritor que possuir todas essas características certamente estará perto de legar ao mundo um verdadeiro exemplar de livro clássico, posto que seu objeto será nutrido de uma juventude eterna e irreprimível.

O bom poema, ou melhor, a boa literatura só existirá caso o escritor de versos ou prosas pense e aja feito um biologista, cuja maior missão é nunca se afastar tanto do objeto de estudo e redação a ponto de ele adentrar uma região desconhecida e seriamente comprometida com o nada. Reverbero um dos pontos mais pintados no livro de Pound: É preciso conhecer a fonte, o poema em si. É preciso beijar o poema, fazer amor com ele.

Literatura é linguagem carregada de significado, preconiza Pound. E sem linguagem o mundo não funciona, nada é construído, nada é submetido a uma geração, a um brotamento. Sem linguagem nada se renova. Um mundo sem poemas seria um desastre, um homem sem poesia seria um engano material sem forma. Na continuidade da leitura do livro, Pound elabora listas muito reduzidas para o estudante das letras, o que não deixa de ser deveras questionável. Valoriza muito o modo de operar dos trovadores, dos Provençais, de alguns músicos de determinadas épocas, a quem a poesia está intimamente ligada. Pound também deixa impresso testes e exercícios de composição para serem malinados por quem o lê. 

O resultado é o pensamento forjado sobre a ideia de que um escrito para ser pleno precisa ser antes vivido. Faz-se notável o seu maior gosto pelos escritos de Chaucer frente aos de Shakespeare, posto que o primeiro, para ele, sabia mais da vida. Pound não mede palavras críticas aos acadêmicos, cujas "leis" e "regras" entopem os bueiros da real beleza da linguagem poética das coisas da vida. Enfim, um livro-leque que ressoa ainda mais vozes e assopra ainda mais ventos sobre um tema milenarmente infinito. E que a poesia seja sempre.

Referência:

POUND, Ezra. ABC da Literatura. São Paulo. Cultrix, 2006.

Nenhum comentário: