terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Aprendendo a guardar rebanhos


Por Germano Xavier

Fernando, a cadeira dileta
que me pedistes hoje
está na sala à espera de um tempo
como o tempo está
para o pendular desassossego
do que habita minh’alma.

no espaldar, duro o encosto,
de improvisos teço a lã
do bem desgovernar.

é a bomba do pensar
que celebro nas tortas estações,
e que por ser virtude aventurada
em chuvas precisas, sementiza-se
botão de rubra-flor.

com signos de vida
ainda pouca,
vou rasgando os fiapos, fazendo da rota
a madeira, do cajado
o destino que segue arteiro,
brincando de cirandar criança
até quando a brincadeira
humana de urdir cantos e sorrisos
for a do terço que nunca rezarei.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Sobre ferrugens


Por Germano Xavier

Acabei pontilhando um misto de vermelho e azul no verso do tecido que tinha comprado na loja dos alfaiates, ali na rua do Verde. Tive a impressão de morrer num banheiro público. O lavabo escorria o delgado sorriso que se perdia de mim. Uma vertigem. A atmosfera fétida e insólita do cubículo feria-me, num movimento cortante de dentro para fora. Hoje estou feliz, mas não tenho dentes de ouro. Meu medo da morte acabou no mesmo instante em que me tornei uma catástrofe. Perde-se a morte no átimo primeiro de nossa resignação. É como defenestrar nossos silêncios através de nossas vontades e quietudes gritantes. A morte está muito próxima, não só para mim, mas para todos. Enquanto, divirto-me. Estou a participar da brincadeira dos meus companheiros. Meu amigo mais novo está doente, mas hoje é o seu aniversário. Seus dezoito anos. Ele brinca sorridente na gangorra enferrujada do parque. A vida é mesmo um jogo... e eu não sei se ela virá. Está tudo tão triste. Se eu pudesse ao menos... não, eu não posso. Na verdade, sei que não devo insistir. Poetas são sujeitos chatos e taciturnos, tentando abrir o mundo às pessoas com chaves feitas do ouro mais puro: a palavra. Por receio de usar a expressão incorreta na hora também incorreta, sei que não devo insistir. Cada palavra tem o seu instante, o seu objetivo, o seu preço. Tenho medo que ela não venha. Pode soar estranho, mas é o que sinto nessas ocasiões. Medo. A paciência nos faz ouvir o pio da alma e a voz do nosso silêncio. Hoje, desisti... eu acreditei em tudo. Eu acreditei, em tudo. Ontem fui à biblioteca municipal e trouxe dois volumes para ler em casa. O silêncio de nossas casas é quase a perfeição para uma boa leitura. Um, as "Cartas a um jovem poeta", de Rainer Maria Rilke; o outro, uma biografia do elisabetano William Shakespeare. É a primeira obra de Rilke que leio. Quanto ao inglês, já o conheço de outras noites sem sono. Por curiosidade, peguei as cartas para ler primeiro. Um livro muito gostoso, gosto de romã. Certa feita, li em um jornal o depoimento de uma pessoa que dizia ler em média cem livros por ano, o que dá, desconsiderando os anos bissextos, um percentual de um exemplar a cada 3,65 dias. Mas, quando falo para as pessoas que no último ano li 172 livros, poucos acreditam. A maioria finge acreditar. Uma média de um exemplar para cada 2,1 dias. Na verdade, isso não significa absolutamente nada. É apenas um fato que demonstra ser possível aproveitar o tempo. Uma dica: não assista televisão. Outra: quando for ao banheiro leve um material literário. A questão é usufruir desse precioso bem que é o tempo. Agora, seja um tanto mais solitário. Essa é das mais fundamentais, como diria Rilke.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Em La soledad


Por Germano Xavier

talvez eu não quisesse operar os meus canteiros.
talvez a vida não fosse assim, tão vida.
talvez o amor fosse apenas uma doença.
talvez a morte não fosse um mau castigo.

houve dias em que a chuva me fez ficar em casa, distante e triste,
enquanto lá fora as árvores pediam um sorriso em socorro.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Empunhadura


Por Germano Xavier

me espere na porta, que eu venho
trazendo meu conjunto de milongas
incondicional, meu estúdio de olhar
fixo para o que podemos ver, juntos.

sendo terno sabê-lo demais sério, semblantes
e pulsos sem derrota... quando estoura
faz uma claridade boa cor castanho-clara,
e é que coisas se iniciam, dadas ao triunfo

de não serem mais tristes... falo de favas
secas e do homem amargurado e diminuto,
olvidando do mar e do poder do mar
em temperar amantes tertúlias de se ser.

me queira na chegada, mesmo com roupa suja
de impropérios, pois não invento notícias
de remanejo... o que trago beira o singelo sono
das brutalidades de amar imortalizadas.

domingo, 22 de dezembro de 2013

Entornada espera


Por Germano Xavier

espera que a morte - que é, de todas, a vida
mais diária - venha comer com delicadeza
os teus instantes mais difíceis. e reza, reza!,
o pouco de tudo, ainda que em face úmida,

e o mínimo do que lhe resta.
deixa tua alma ficar bêbada
na véspera da manhã entrecortada...
pois se assim o desejo lhe presta

o não-sorrir em dias tais nublados...
- assim será, por ocasião da vontade,
a marca do teu último dia nesta cidade.

depois, foge como esses seres alados,
pelos céus, deixando sutis vestígios:
no fim, tudo não passa de vis delírios.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

É o tempo que temos

Imagem: Google
Por Germano Xavier

Para todas as pessoas que amo e que amei.

Acabou mais um ano. O relógio não parou. O relógio não para. As luzes piscam, cada vez mais nítidas. Os prédios só cresceram. As pessoas só se proliferaram. Céus se desenrolaram por sobre as nossas cabeças, muitas vezes pesadas de tanta labuta. E hoje bateu aquela vontade louca de romper. Mais do que nunca, meus amigos. Romper com o mau-caratismo, romper com a hipocrisia, romper com tudo aquilo que não nos leva além. Deixar de lado os rumores de discórdia, o falso companheirismo que nos apunhala pelas costas, fugir das mágoas e das mentiras e abraçar aquilo que é amor.

Vamos, não é hora de discutir se isto ou aquilo é clichê ou não, se é démodé ou não, se é sujo ou não. É hora mesmo de partir para cima daquilo que é verdade em nós, de conquistar o bem que nos faz sentido, seja material ou não, é hora de se deixar e ser muito mais, hora de ousar mais. Até porque nós podemos mais. A vida é só uma e só há uma chance para sermos felizes. Dura realidade. Esqueçamos todas as teorias, todos as nossas possíveis vidas que não aconteceram até agora e esqueçamos também os nossos arrependimentos. Amanhã é um novo tempo de poder, de saber, de ir.

Aliás, produzamos mais amor, façamos mais amor, sejamos mais amor. Que amemos mais o nosso lugar de origem, que amemos mais o lugar que nos acolhe neste momento, que amemos mais o lugar dos nossos sonhos, pois assim teremos mais força para que consigamos chegar até ele um dia. Amemos muito mais a nossa mãe, desastrada como sempre por tanto amar, amemos mais o nosso pai cheio de mistérios e silêncios sábios, amemos mais o nosso irmão que se distanciou por algum motivo, a nossa irmã cascuda, que amemos mais.

Não deixemos de rogar amor aos nossos parentes olvidados, de lançar luzes sadias sobre nossas antigas paixões, afinal de contas foi tudo isto junto que fez a gente ser o que é hoje. Não nos esqueçamos de amar a menina que primeiro nos ofereceu o corpo em profunda ardência, sobre o sofá do velho apartamento mofado, não nos esqueçamos de doar amor ao sujeito até então estranho que nos ofertou socorro na hora mais improvável de toda a nossa vida, que não percamos de vista os homens e as mulheres de nossas vidas, nossos professores, nossos amores, nossas ilusões.

Todavia, o mais importante de tudo, diria eu, é não permitirmos que morra em nós mesmos a força para as mudanças. Se ficarmos apáticos, se presenciarmos a palidez de nossas próprias ações e a passagem em calmaria morna do tempo, perderemos mais facilmente a visão da liberdade, que é o caminho da felicidade pura. Este é mais um tempo para nos rebelar, uma nova e única chance para tentar mudar algo ou alguém e, sobremaneira, é o tempo que temos para sermos mais o próprio tempo, este ser impaciente que tem hora para nos abandonar.

Dezembro de 2013.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Era uma vez um moço de letras


Por Germano Xavier

Para Nílton Borges


Ribomba a voz trôpega
de um rapaz
que explica.
O anelado ar preso
sobre suas cercanias,
amarra as vozes dos outros,
abafadas.
O rapaz é vistoso
em sua dedicação
de aluno.
E aprende e se professa
em mestrias sutis, caridosas.

Esmiuça, tintim por tintim,
sua hora de flor nova.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

domingo, 15 de dezembro de 2013

Abertura

Imagem: Google
Por Germano Xavier

cortinas fechadas
deixam a brecha imprescindível
a lacuna vertical de uma vista
o possível do outro lado
o de um fora
o de um dentro que sou eu
investigado por finos feixes de luz
da tarde com gosto de paz

as cortinas fechadas
abrem o rumor de um vento sábio
contornador de ilusões

levanto duvidoso
e caminho até perto delas
termino de fechá-las
para começar a me abrir

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Escrevendo em cachoeiras


Por Germano Xavier

capsular e transparente
meu corpoverso se
a l o n g a
quadriculado
em
e l á s t i c o s

do alto
telhado
res
p
i
n
g
o

lamáguas
em teu colo
de sal

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Evadir-se, criada de mim


Por Germano Xavier

não se atormente aqui
espaço vivo de constrangimento
existido
não há espaço para o sufocamento
que é morte em menção

mais maravilhosas criaturas cristalinas
que acabam por refletir
e a ensinar a dor de homem
ser
como se faz para se sentir ser
homem?
mas o que é o homem
tão distante da aceitação do indizível do imperfeito

não fuja minha criança criada em manhã tão linda
meu pensamento é leito
vento que te conjuga no infinito
dos horizontes
há espaço para tudo
inclusive para a madrugada

domingo, 8 de dezembro de 2013

Fachada em neve


Por Germano Xavier

Parece adquirir o silêncio
do canário aceso em grades.

O rubor inconteste de um grito
descansando no sofá de pano.

A mulher branca penteando sua alma em linhos.

Parece reconhecer a angústia
na palma de sua mão fiadora.

Uma árvore enorme com ferrugem no tronco
dobra-se frente ao espelho.

A natureza ensina em ineditismos diários
a mágica ilusão professora.

sábado, 7 de dezembro de 2013

Foi aquele me dizendo


Por Germano Xavier

este todo-mundo apavorante
sendo o que sou
estando vida embalada
pelo gosto amargo de um trago suicida
absinto
gole do cão e ser sem saber
se sou
estando morto e caído no abismo da má-sorte-má da renúncia
esquecido na luz-lustre de cristal embebedante gole do cão

...

tenho fome sou insone
vagabundo metralhado das letras
ladrão de vidas
(matéria para minhas telas)
sempre
quistas
as vulgares vidas
que mesmo eu vivo
nem tendo nem sendo
o que deveras sou

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Fotografia


Por Germano Xavier

Uma foto capricha
e amarra meu suor escondido.
A imortalidade do imótuo,
do parado,
subverte a porção de mim
que pensa em escape,
em escorrimento...
Acabo de me enxergar oculto,
nesta impoluta mentira
que me corrompe os olhos.
O achado de algo
cristalizado,
como se estivéssemos pedra
em um curto espaço eterno
de gaiolas
- que o pássaro manifesta-se,
mesmo desalado,
em vôos de tigre -
é o mesmo retrato
que amanhece insurreições
em nossos antigos batéis
de margem de rio,
submersos.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Fraseado de vésperas


Por Germano Xavier 

Pinta o teu rosto
com a cor da felicidade
Cobre o teu corpo
de vestes da liberdade
Calça teus pés
com sapatos da simplicidade
Faz tuas palavras
exprimirem somente a verdade
Use óculos
da honestidade
Não jogue fora
as luvas da dignidade
Penteie os cabelos
da maturidade
Esteja sempre do lado
da amizade
Discuta os problemas
da sociedade
Colha os frutos
com naturalidade
Esquarteje qualquer tipo
de falsidade
Procure sempre
a prosperidade
Lance a âncora
da irmandade
Escreva versos
com autoridade
Planta em teu íntimo
a certeza da eternidade

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Frutos partidos


Por Germano Xavier

velei o corpo do teu morto
argumento
teu crime imprimiu em mim
padecimento
nunca quis você assim
entendimento
vou morrer também
acolhimento

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Noblat e o que é ser jornalista

Imagem: Google
Por Germano Xavier

O que é ser jornalista? Ouse fazer esta pergunta a um amigo seu que não curte jornalismo impresso ou televisionado, ou direcione o questionamento para um tio que vive com o rádio ligado nas madrugadas insones, ou ainda para o seu avô que viveu anos repletos de acontecimentos marcantes para a história do país em que você nasceu, ou para um estudante de jornalismo que ainda não enxergou o real mecanismo de sua tão sonhada carreira e, por fim, ouse perguntar a um jornalista por formação. Será que todos terão a mesma resposta? Eu suponho que cada um fará uma consideração diferenciada, com balanços os mais autônomos possíveis. 

Ricardo Noblat tentou respondê-la na série O QUE É SER (JORNALISTA), publicado pela editora Record. A esta pergunta, que tal você acrescentar a seguinte: Para que serve um jornalista? Ou para que serve o jornalismo? E muitas outras perspectivas lhe serão reveladas, com mais ou menos autoridade. Seria o jornalista uma espécie de cientista dos fatos e o próprio jornalismo uma ciência (seria ele uma ciência exata?), uma aleivosia empírica qualquer que sirva sobremaneira para iludir o olho e a mente humanos, um arremedo de arte de difusão massiva, um modo de alterar a órbita da Terra ou uma simples atividade com regras trabalhistas que no fundo só serve para aliviar o homem de sua aproximação desenfreada diante da morte? Seria mesmo capaz o jornalista de mudar o mundo? Concorde comigo, nada melhor do que um jornalista com anos de experiência no ramo para nos fomentar incursões mais profundas em tal debate.

O QUE É SER JORNALISTA, espécie de memorial-depoimento de Noblat, não responde tudo, mas revela o primordial. Noblat pincela até dicas básicas de como proceder diante de certas situações e burila também no mundo da ética comunicacional, ou sua falta. O lado sombrio das grandes aglomerações midiáticas, os jogos de poder envolvendo políticos e jornalistas, as articulações de censura em prol de benefícios mútuos e os sonhos de liberdade de expressão também são assuntos que não passam em branco durante a contação. 

Noblat parte do período da infância e adolescência, mostra como parte da família o impulsionou a pegar o gosto pelos ofícios de escrever e ler, diz sobre sua iniciação como repórter na capital pernambucana, esboça um resumo das enrascadas em que se meteu nos anos que passou como editor, chefe, diretor e colunista de grandes jornais brasileiros e, até, marqueteiro político em Angola, passando também pela exposição de quesitos relacionados ao lado pessoal de sua vida e que sofreram duras e incessantes interferências de seu lado profissional. Afinal de contas, é verdadeiro aquele ditado que diz que o bom jornalista é jornalista até quando está dormindo. Há, óbvio, quem discorde.

A visão que fica impregnada à mente após a leitura é a de que o jornalismo não é um terreno onde reina a inocência plena nem o jornalista é um monge construído de indubitável santidade, e pensar assim não é pensar novo. A notícia é um bem muito valioso e pode, sim, mudar a rotação de várias coisas, inclusive a do mundo. E os jornalistas sabem disso, assim como os donos das emissoras de tv e rádio, dos mandatários dos veículos impressos e os políticos. Há sempre um algo a mais por acontecer nos redutos mais recônditos do jornalismo. Estar dentro dele durante uma vida e não ter seu corpo ou sua alma maculada é talvez um dos grandes mistérios da humanidade. 

O que é ser jornalista quando a informação verídica é a última coisa em termos de relevância? O que é ser jornalista quando o que mais vale é cumprir ordens de terceiros e que nada tem a ver com o que você é ou idealiza? O que é ser jornalista e não sofrer com dores de consciência? O que é ser jornalista e saber que você é um herói comunicador social, cujas armas são as esferográficas, os blocos de anotações e as câmeras fotográficas? O que é ser jornalista e saber que você pode não ser nada disso de um dia para o outro?

Deve mesmo ser muito difícil ser jornalista. Deve mesmo ser muito fácil ser jornalista. É só fazer o que dá para ser feito. Basta fazer aquilo que é imperativo fazer. Observação, escrita, imagem, compilação e publicação. É só inventar uma historieta e pronto. É só não ser jornalista e ser outra coisa, tipo na área dos negócios, dos bichos e jabás da vida. É só dar a informação. É só negá-la a todos os leitores ou ouvintes a qualquer custo. É realmente tudo muito simples quando o assunto é jornalismo. E é mais do que evidente que você não está acreditando no que está lendo agora. Na verdade, só escrevi isso para jogar ainda mais o jogo da reflexão e você, caro leitor, sabe muito bem onde quero chegar.

O mundo anda mudando muito rapidamente, a sociedade clama por informações com uma velocidade cada vez mais exorbitante, o jornalista de hoje já não é mais o mesmo profissional de anos atrás, os paradigmas para que um fato vire notícia também são outros, as fontes mudaram seus frontispícios, o suporte para que a comunicação seja realmente efetivada também variou. E o jornalista, não muda? Mudou? Como deve ser um jornalista? Como deve se portar? O que é um jornalista hoje? Quanto vale? O que ele deve fazer para escapar de uma roubada no próximo lide e que pode custar o seu tão inseguro emprego? Que tal averiguar um pouco disso no depoimento do Noblat? Boa leitura.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Guardando


Por Germano Xavier

só sei falar de amor
mesmo quando tristeza
mesmo quando cabeça baixa
mesmo quando solidão

até parece que guardo
num baú de passados
uma antiga paixão

mas... só sei falar de amor
mesmo quando doença
mesmo quando exangue
mesmo quando sem vida

até parece que guardo
num baú de sentimentos
uma viva afetação

por que só sei falar de amor?
mesmo quando ferrugem
mesmo quando contenda
mesmo quando capenga

até parece que guardo
num baú de resguardos
resíduos de reputação

eu só sei falar de amor?
mesmo quando inverno
mesmo quando inferno
mesmo quando prisão

até parece que guardo
num baú de retratos
a dose mais forte de minha ilusão

domingo, 1 de dezembro de 2013

Uma coluna, vários pilares


Caros leitores do blog O Equador das Coisas, colegas e amigos,

sou o mais novo colunista do portal de cultura Página Cultural. Agora vocês poderão entrar em contato com minhas idéias num espaço mais amplo de debate e construção de conhecimento. Ao editor Sérgio Evangelista, e também à Carol Piva, agradeço pelos créditos depositados em meu trabalho como escritor.

Meu cartão de visitas já está no ar!

Acesse, conheça, leia:
www.paginacultural.com.br

Abraço a todos!

sábado, 30 de novembro de 2013

Centelha




Por Germano Xavier


para Herberto Helder, in memoriam


ao som de Marquee Moon (Television)



para se preservar o materno
senso vital entre o corpo
e a existência, gelar a distância
que enlouquece lua e mar.

inventação amada a de criar
vazios, esta.

é um ventre minguado
a língua que não tece o símbolo
e a música das marés,
das fúrias.

minha calma marítima
flutua na estável atenção que cedo
ao elegante chicote das horas
hiperbólicas.

neste eixo,
fiel é a fala menstruada,
armadura  que entontece
todos os hálitos da Vida,

ente inconstante
entre o desejo e a morte.


Partido Jimbo 2


Por Germano Xavier

A primeira vez que ouvi o The Doors foi o fim.
No fundo, eu já tinha The End dentro de mim.
Aí veio a explosão. Blummmmmm!!! Light my fire, as pessoas são mesmo muito estranhas.
"Elas são muito mais estranhas do que eu", pensei.
Era algum dia que não sei se domingo ou quinta-feira.
Ray Manzarek, o Vox de minha alma reacendida em espantos. Nunca mais aquilo.
As pessoas são mesmo muito estranhas.
Chan, chan, chan, channnn, channnnnnnn, chan... O Vox de minha alma relampejando no céu!
"Chama o deus, chama o deus", pensei vociferar.
Ou queimem ele! Matem-no!
O animal nascido em mim, eu grávido. "Vou vomitar esse filho", suando.
John Densmore, a besta galopando ginetes sem adestração.
"Esqueça os cavalos, esqueça os cavalos...", quis.
O chão encharcado. Meu corpo charco, pandemônio.
No fim da década de 60 eu era apenas a sofreguidão de uma máscara sem préstimos.
Não saberia me cuidar.
O Vox de minh'alma me perfurando, a segunda vez viria.
Eu sumi.
Minha fuga não sei pra onde!
O vocal xamânico do cara cabeludo que se rasgava no palco. Engolia a dor dos outros...
Eu era o outro, ali no palco de baixo, no palco da vida.
O fumo e o bafo da revolta.
Jimbo, pai das portas.
Eu quase morto, eu. O acorde sombrio...
Janelas procurava para executar defenestrações. O mundo é estranho.
As pessoas são mesmo muito estranhas.
Robby Krieger, a máquina. O pulso maior, caso houvesse um.
Acordes metralhadoras, o cara morto.
"Finjo ser", pobreza de espírito.
Putos e putas, prostitutos e prostitutas! Vão se danar!
Eu quero o sol!
Eu quero o som!
Eu quero o teatro que sou ! Metralhadoras metralhando, ta ta ta ta ta ta ta ta ta ta ta ta ta ta ...
Um cara caído, grandeza. As portas da percepção... caríssimos!
Quem sou eu diante? Oca esfera. Tenho meu nada.
"Tenho meu nada que se completa", Riders on the Storm.
As pessoas...
É tudo estranho... Break on Through (To the Other Side)
A primeira vez que ouvi o The Doors foi o fim.
O fim de um fim. Recomeço.
Começo.
E quando a música acaba?

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Soneto de um desejo austral


Por Germano Xavier

Na Terra, a turba inteira inflama
em alvoroço. Raia o dia certo e raro.
No céu em chamas cai o anteparo
do dessilêncio: - Oh, olhar, você clama?

Se pudesse eu gozar dum tal desejo,
ansiaria estar em ansas ao astro colado,
para queimar-me em fogo conflagrado
e beijar um afago no claro sol que vejo.

Se em teu colo o aconchego deste
lhe servir de espelho, perceba a vida
que desce em brasa em mão caída.

E mediante o curto tempo e celeste
manto, aqueça-se, sim, em sestroso canto,
no alegre e eterno brilho do teu pranto.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Sombra seleta


Por Germano Xavier

embora de ir não diz partida...
a porta de onde saio é a porta
entortada de morte, vôo de morta
asa, para casa vou em mim caída?

e te deixar a bandeira hasteada ao meio
sem aquele vento lendário do passado
preste? agracede a quem a alma, o amado,
no se for disparado curva rosto boca seio?

vê que o que dista não afasta o ser tão
nem responde aos prêmios de adeus...
faz adormecer no invadir dos seus

atalhos, derrubada a selva e o sertão.
partida diz não ir de embora, em hora,
porque não fecho vida, o amor, por ora...

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Sobre o chão


Por Germano Xavier

todo o quadro simula
o repouso
a multidão tamanha
tamanho imenso
paredão que me destoa
do resto o impulso que dou
é queda na hora
em que me saio distante
a gravura
que me é figura
arte e luz
fica no que marca
o ditame do meu eu
um pincel morto
meu realismo vivo
de dor
de dia

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Só há revisão caso se balde


Por Germano Xavier

um por acaso gostoso
de se sentir
me arrebata
um por acaso
de reminiscências
nuas
e de um sem-fim
me constroem uma
rouquidão
de compensados

domingo, 24 de novembro de 2013

Sim, os loucos?


Por Germano Xavier

Louca, a atriz
no palco encena.
Cabeças assistem,
dominadas.
Lá fora,
o poodle da madame,
que veste rosa,
urina no poste da esquina.
Depois, desfila
um fenomenal lacinho
de seda carmim.

sábado, 23 de novembro de 2013

Silenciosa crença


Acreditei,
como quem acredita na profundeza
das oceânicas águas, como quem tem
ainda nas veias o sangue vivo da juventude.

Acreditei,
como quem busca a felicidade eterna
em um sorriso infantil.

Acreditei,
como quem anseia o voo
das aves e sua total liberdade.

Acreditei no que você outrora disse
e hoje caminho ligeiro. Silenciosamente,
como quem procura e sente
as entranhas da vida no gestar simples
de um beijo.

Teus versos, decorei.
Tuas músicas, cantei.

Pulei aqui dentro de minha parcela mais particular e sentimental.
Dopei o meu corpo com suas rebeldias magistradas e leais.

Acreditei,
como quem chora de desgosto ao ver um irmão morrer
de fome,
de sede.

Acreditei,
vendo a luta e o suor diário de tuas mãos calosas
e ensanguentadas.
(E se forem léguas até desesperadas, conscientes e saborosas,
regadas à uniformidade e à pluralidade da disciplina?)

Acreditei,
como quem acredita em um mundo mais belo e justo.
Acreditei quando jovem numa reforma das verdades do ser humano.
Acreditei,
eu acreditei...

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Sobre olhos dançantes

Imagem: Google
Por Germano Xavier


Quem é Sophie Dahl? Não me pergunte. Isso realmente não importa. Nem mesmo saber quem eu sou eu sei, quiçá ela que é lá das bandas do muito longe. Só sei que li o livro dela e, confesso, ele é bem bonitinho. Estou falando do livro O HOMEM DOS OLHOS DANÇANTES. A narrativa conta a história de Pierre, uma moça que nem a gente, feita de paixão e de dúvidas. Pierre vive um amor, rodopia nele, fica leve, sorri, fica triste, fica com medo e depois é arrebatada novamente. Um livro alegre, triste e alegre no fim. Um continho de fadas mais que moderno. Livro, como disse, bonitinho, que vale nossos 30 minutos de leitura. Ilustrações de Annie Morris.

Semântico


Por Germano Xavier

Do meu verso,
que por ora deixo escapar,
espero nada senão a vida,
espero tudo senão o peso do fim.

Que ele me deixe sorrisos
no rosto
do meu passado que foi agora.
Que ele me plante amigos
eternos, se assim não for muito.
Que seja um tempo único
no tempo de cada um.
Que em ti me torne alimento
de sabor duradouro.
Que me seja lição diária
do que é emoção e espírito.
Que não me seja a superfície
de mim,
sempre e quase intransponível e dura.
Que ele me dance.
Que ele me luzes.
Que ele me passe à galope.
Que ele me águas.
Que ele me rios
- grandes, bem grandes!
Que ele me chaves.
Que ele me tintas.
Que ele me gritos.
Que ele me beijos.
Que ele me mundos.

E, por fim, do meu verso
básico e pouco gramático,
que ele me largue,
livre,
nestes jardins polissêmicos do Homem!

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Palapéia, palaméia


Por Germano Xavier

para o profº Hélio de Araújo,
que sabe a dor da palavra...


ao lado do livro está o acidente
da vida e a ignorância da dor

a palavra tem cem pés
para quem não tem pés
para quem não tem mãos
a palavra tem cem mãos

cem pés a palavra
centopéia
faz o homem andar

cem mãos a palavra
centoméia
mãos de voar

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Sem saber


Por Germano Xavier

Se Drummond viveu meio verso
de um rascunho poético,
o que sobrou para mim?
Ainda há o que se viver,
sentir, ser...?
Se ele me consome e me consola,
eu perco o meu direito de viver?
Se você escreve poemas e romantiza,
se quer que eles sejam
divulgados no rádio,
se você quer falar comigo, se
sairá o nome do autor, é claro, se
a reunião da revista está marcada
para depois da palestra.
Se você me acha lindo, se você acha isso!,
se você está mesma falando com teus olhos
"que lindo! lindo! lindo!, timidamente lindo,
só para poucos perceberem sua beleza",
se tu finges gostar de poesia para o agrado
fácil, se vou tentar escrever um poema direcionado
à sua pessoa e se ele pode demorar, "tudo bem?".
Se como é bom vivo estar, não?
- Sempre, sempre. Já está na carteira.
Eu tentando a partir de agora lembrar-me
e aplicar esse teu escrito. Muito obrigada.
Se você já tudo disse e eu nada tenho,
só um punhado de inesquecimento, que faço
eu, que faço!, se você viveu
a vida em meu lugar?

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Sem saber se pau de fita ou se quadrilha


Por Germano Xavier

ele amava Drummond
que amava Assis
que amava Gregório
que odiava Camões
que amava o Rei

ele amava Shakespeare
que amava Platão
que amava Sócrates
que amava Sofhia
e que tomou cicuta

ele amava a menina
que amava o outro
que amava a outra
e assim o amor acabou
sem fazer cerimônias

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Sem licença


Por Germano Xavier

Quando nasci, nem anjo torto
nem anjo esbelto trombeteiro
dos que vivem no breu...
ninguém disse nada.

Do céu desceu um mijo de Deus e
a rã no brejo veloz se escondeu. Tinha pra mais
de duas gentes perambulando por perto,
mas ninguém disse nada.

Vozes freadas, eu sem ouvido.
Chorei pelos cantos, em estribucho feroz.
Se nada dizem, faço meu papel.
Morrer pode ser tão ontem.
E a amargura? Calosidade tamanha, pensei:

Não corro atrás de imitos, vou
no verde que arvora (mesmo na cinzura
da regra fixa).

Quando nasci um diabo cor-de-tanajura,
desses que atiçam noite de roça, aconselhou:
sê disforme como essa lua...

domingo, 17 de novembro de 2013

Retalhos IV


Por Germano Xavier

XLVI

Improváveis tempos onde me desconfiguro.
Hora de desfaçatez imberbe:
cabedal instantâneo de desmarcas...


XLVII

Suportas o delírio da vida?
Suportas?
És forte assim, fantasma convulso?
Inda não sou bem homem,
bem velho...
Inda me perco entre sonhos e sonhos...
E há sonhos?
Para que serve a poesia?


XLVIII

Vai e volta,
o vento,
desgovernado...


XLIX

Sobreposto ao costado
dos teus olhos,
minha juvenília
farandolando multidões.


L

Bate tum-tum
no coração...
bate torto,
e o som coagula
um eco estrondoso de fim.


LI

O teu filho nasce.
O teu filho cresce.
O teu filho cresce
e só depois nasce.


LII

Confundimos a própria vida,
esta imagem desfocada que carregas
no colo,
em teu ventre,
maduro?


LIII

A travessia
em flutuar,
em fluido ar
d’água.

A instância.
O instante.

A magnética
dor do rio
verdanil

A dor dele
nos que passam

em só passar,
em só passar...

árida travessia.


LIV

Que aquele garoto correu
a importância dos diantes.
E sumiu como azul de tardes...


LX

Papas na língua,
cobra criada.
Salta da boca
a fera indomada.
E o outro, ingênuo,
espanta-se do nada.


LXI

Zé contou uma,
duas, três vezes. Contou
e não entendi.


LXII

Uma porção de treva escondida
clareia o meu eu-quarto nu.


LXIII

Poética:

tipo
ético
de
política.


LXIV

Depois de todo aquele drama,
a atriz coadjuvante
abre os braços em liberdade,
no grande retângulo de paisagens aprisionadas.


LXV

Ela se esconde,
cobre o rosto por detrás do muro
de cinza.

Nestas horas,
uma dinamite
faria vazar poesia.

sábado, 16 de novembro de 2013

Sem garoa, sem Salvador


Por Germano Xavier

Com alusões diretas ao poema "Garoa do meu São Paulo",
de Mário de Andrade.


minha cidade emprestada, sem pena
de mim, de ruas enladeiradas,
não parou quando eu quis.

minha cidade devastada,
construída em tributo aos mortos
(quase todos pretos de cor),
denuncia a torta forma, o tonto trato
pelo outro

- e por cadeia, não sou devasso?

também costura, minha cidade, os malditos
da Paulicéia. e nem sai dos olhos
esta garoa de cegar que não existe.
minha cidade sem mim é do menino invadido,
sem vento, sem distâncias de importâncias
- sem Londres, Mário! -, sem Salvador.

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Selva de pedra


Por Germano Xavier

Por onde correu o rio,
hoje uma avenida de lágrimas
cobrindo o chão com asfalto
- enorme estrada de lástimas...

Eis aqui a formosura de uma bela árvore!
Amanhã, pobre e infeliz, um poste de desgraças,
iluminando os atos humanos
nas horas que não haveria de ter luz.

Ontem, uma mina de ouro.
Hoje, um túnel de esgoto
transbordando toda a sujeira
dos porcos homens em suas ratoeiras.

Dava pra se ver o horizonte,
o sol se pondo e a noite caindo.
Hoje, horríveis pontes,
o céu cinza, os pássaros chorando...

Onde se tinha cavalos,
hoje um amontoado de carros
dirigidos por indirigíveis,
guiados pela intolerância.

Ontem, vasta flora e fauna.
Sem tédio, a beleza das flores...
Hoje, usina de pragas.
Viadutos e prédios, abrigo das dores.

Muros altos, portões trancados,
luzes e alarmes; mundo de grades.
Tijolos sem vida, blocos de saudade...
apenas uma migalha de liberdade.

Salvador-BA, 30 de agosto de 2002.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Salivas sem casca


Por Germano Xavier

I

Exercito a palmilha.
Meus sapatos marrons secam suas carreiras no sol da janela. Meus sapatos são naves interestelares esperando a boa condição para o vôo.


II

A agulha: uma serpente de corpo gélido e quente na frieza das tramas, e quando transa com o corpo do outro corpo, não fere, mas busca na picada a alma irreal na matéria oculta. Brota do buraco de onde o furo nasce outra serpente comedora de vazios. Quando vê o outro lado, o lado de dentro dos foras, enxerga que já passou a perversão.


III

Jesus está num quadro, preso à parede da sala do meu apartamento. Não preciso ir a igrejas para vê-lo de perto, tocá-lo, percebê-lo. Jesus é um velho quadro preso à parede da sala do meu apartamento. Ele olha para baixo e tem a mão no peito. O quadro parece em sfumatto, mas não passa de um pintado papel. Pergunto-me se ali, por detrás da fina moldura que sustenta a tela, a pequena aranha tece a teia longe de qualquer perigo.


IV

eu comprei um cigarro para escrever literatura na padaria mas o pão fresco me incendiou a massa e aí a fumaça nublou



V

antes do espelho havia a roda
o mundo girou antes de nos olharmos
na esteira da grama na espreita da trama
do submarino amarelo

imagem cortada e atada nas cercas
salvei no ralo o fogo que descia
era um de nós dois o horizonte sem rumo
da roda no espelho do chão

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Se sou pedra


Por Germano Xavier

Alimentar, nos porões
humanos,
as brigas de valor
que irão confundir
todas as lutas.
É que eu escuto
do outro lado da rua
as ramas que irão
locar a paz...
Ninguém olha de cima
do decrépito prédio
o assombro das formigas!
Ninguém entende.
Ninguém entenderá
estes soluços brancos,
a música que reboa em sinos
a alma daqueles que, fortes,
caminham sobre o dorso dos ventos.
Beijar-te-ei em prováveis ardores,
marcarei o teu destino.
A loucura empresta suas garras
e ajuda a retorcer, inerte,
a bêbada sentinela cinza
da vida...

Num domingo triste de alegrias...

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Sapos, vacas, pássaros, leões e hienas


Por Germano Xavier

Havia um sapo.
O seu nome era Batráquio.
O seu coaxar era muito esquisito.
Muito esquisito mesmo!
Toda vez que ele coaxava, logo as vacas mugiam.
Logo os pássaros cantarolavam.
Logo os leões urravam.
E as hienas sorriam...

O coaxar de Batráquio se transformava em música.
E todos os bichos formavam uma orquestra.
Depois foi que deram um nome à orquestra regida por Batráquio:
"A Cooperativa da Voz".

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Roucas combinações


Por Germano Xavier

sobre o óbvio, amor não chega.
bate em disparada ao menor sinal
de existência. não combina

com o amor
um abraço sem choro,

um sorriso de estrelas,
um cão com dono,

um fogo morto.
inunda esta coisa de organizar

sofrimentos, invade a parede humana

no medo da perda,
soluça a sensação esquisita

de nem sempre continuar,

o amor, este deus sem paz.

domingo, 10 de novembro de 2013

Rotina de viagens


Por Germano Xavier

porque piscam luzes dentro de mim,
e eu sou apenas uma criança, arrebatada,
diante do mago brinquedo

sábado, 9 de novembro de 2013

Rios


Por Germano Xavier

assim, súbito
veio-me uma vontade
de chorar porque homens choram com pudor
choram sem pudor os homens choram
não sei motivos
há tempos dos meus - vários -
fantasmas

e chorei
e foi um choro de criança
inocente quase virginal das gotas que caíam fez-se chuva
da chuva nasceu um rio
lindo

quando as lágrimas cessaram
vi-me em torno de um silêncio
dilatado depois pouco um arco-íris coloriu
todo o horizonte
de mim

dali em diante
como que um ventre
rios de lágrimas surgiam
e meu choro infante já tinha a face com sal antes de mar

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Proclamação de fé


Por Germano Xavier

Quem és tu - ó, deus! -, Deus de Hegel?
Quem tu és, Homem de Feuerbach?
E por quem chamo nas horas doídas
da vida? Por quem hei de clamar?

Não sabe quem tem fé? Tu, druída?
E fé somente é domínio da vontade?
Por quem tanto morres, por que tanta
morte aos teus pés? Deus - ó, deus! -, por quê?

Na ranhura do vidro turvo passa uma luz
que persiste, uma espécie de matemática.
Nego e creio e me deixo, quebro-cabeça.

Aborto qual, Pascal, Kant ou Espinosa?
Abordo qual, Descartes, Voltaire, se em toda
resposta reside a pauta para mais mil perguntas?

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Rio de alma


Por Germano Xavier


Minha homenagem ao Velho Chico.

Francisco das luas, tu me escutas?
Ouça o som desse teu filho
a gritar o desespero
de quem tem medo do teu fim.

Bate o teu coração? Onde os teus mitos?
Fará de minhas dúvidas andorinhas a voar tua vastidão?

Daqui observo-te inteiro,
teu passar calmo,
tuas lágrimas cristalinas.

Francisco, clareia teus inúmeros oceanos.
Faz redobrar os teus sentidos
sobre os olhares da menina que passa,
que passa...

Venha, Francisco!
Corre o teu percurso que te faz singular
e alaga a cidade das almas.
Divida a beleza de tua volúpia,
pois sei que és justo.

Tenho vontade de içar vela em teu mundo
e ser mais uma criatura a te beber.
Onde te escondes, agora que te maculam?

Tuas feridas consomem o gosto do teu azul
e não mais te enxergam como um deus.

Velho, sabes de tua força!
Faz clarão nas vidas deste povo,
ensina o silêncio profícuo do teu transbordar.
Não seque o hino de tua garganta!

És pai de todos nós,
tão distante e tão perto.
E este destino tão incerto...

Choro águas nordestinas,
e meu choro é como a tristeza do sol.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Retrato de um susto


Por Germano Xavier

Quando acordei, uma criança
com as bochechas pintadas correu
em minha direção.
Contava os seus oito anos de idade,
devia assim ser.
Teria tido um pesadelo nesta noite?

A pequena sussurrou dois tragos de palavras:
-Deus, quem é você?

Depois daquilo não me ocorreu
outra atitude,
senão a de tomá-la pelos braços
e sair
como um cometa,
fumegante,
esbarrando mãos e pés em jarros antiquíssimos.

Pensei, “sou grande e bom”.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Retomada


Por Germano Xavier

ficaram vestígios
no rico
estranho
e utensílio
das palavras

lembraram um velho
ziguezague
da liberdade
e nunca
um conhecer-se

a fórmula de ser
sem medida
sem receita
de esquecer-se
do punhado humano

e da lida vontade
percebida
de lançar-se
às tentativas
infindas da vida

Autocracia versus Anarquia

*
Por Germano Xavier

A película A ONDA, que foi baseada no livro de mesma nomenclatura do escritor Todd Strasser, traz como personagem principal o professor Wenger, que não gosta da escala que a coordenação da instituição escolar a qual faz parte lhe impusera: ensinar uma disciplina sobre Autocracia - o desejo dele era o de ensinar a disciplina que trataria do tema Anarquia.

Com o comportamento que passa longe do modelo conservador já habitualmente relacionado à figura do profissional da área educacional, o professor Wenger, sem outra alternativa, encara a árdua tarefa e começa a lecionar a temática incutindo em seus jovens alunos os conceitos autárquicos de maneira a mais prática possível, ao invés de levar a cabo o conteúdo teórico respectivo.

No intento de provar aos seus alunos de que um novo regime ditatorial na Alemanha poderia ou pode acontecer a qualquer momento (e não só na Alemanha), o professor Wenger inicia sua prática de ensino diferenciada e logo começa a mexer profundamente na mentalidade de seu alunado, primeiramente somente através do poder da palavra "politizada". Com tal experimentação, Wenger conscientemente manipula toda a turma, que começa a segui-lo categoricamente.

Para tal domínio efetivo, cria-se saudações apropriadas, numa alusão direta a que era destinada a Adolf Hitler durante o regime nazista, a logística da sala de aula do mesmo modo é mudada, produz-se um símbolo e adesivos, ensaia-se uma marcha e define-se até um modo de se vestir peculiar aos membros d'A ONDA, nome escolhido para o grupo. Objetivo maior de tudo isso: fazer com que todos se sintam um só, um corpo único, homogêneo e puro em todas as instâncias.

Poucos são os alunos que divergem dos ideais pregados pela A ONDA. Os dissidentes, por sua vez, acabam mudando para a turma que discutia Anarquia. Porém, com o tempo e com a fama do grupo sendo disseminada por toda a cidade, muitos alunos da turma de Anarquia termina por mudar para a do professor Wenger.

Muito além da sala de aula, A ONDA começa a existir fora do ambiente escolar. Comportamentos humanos sofrem drásticas mutações, brigas em muitas ocasiões e o professor Wenger começa a sentir as consequências de sua até então ingênua ação docente. A alienação ideológica é logo denunciada por atitudes de vandalismo por parte de alguns integrantes d'A ONDA. A escola começa a chamar a atenção do professor Wenger, agora já um líder de incomensurável proporção - mesmo ele duvidando disso.

Nos momentos finais, já totalmente decidido a por um fim na curta vida d'A ONDA, o professor Wenger resolve fazer uma última assembleia com os membros do grupo a fim de romper com o que foi proposto durante as aulas. Mas logo ele percebe que não há mais possibilidade de controle diante de alguns alunos, que fatalmente encarnaram A ONDA em suas mentes como uma verdade absoluta e irrevogável, levando ao fim todas as possíveis consequências. É quando uma tragédia acontece.

Preso, Wenger observa a reação de pais e alunos ao fim do percurso, agora de dentro de uma viatura policial. A Onda ou Die Welle, filme de procedência alemã datado de 2008 e dirigido por Dennis Gansel, relata com singela maestria os perigos da disseminação desenfreada de um pensamento ideológico e nos faz pensar ainda mais sobre diversos temas urgentes à sociedade contemporânea.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

O negro na cultura


Por Germano Xavier

A questão do negro, sua identidade e suas nuances, assim como a inserção de sua presença física e ideológica nos diversos sistemas culturais brasileiros já não é um assunto tão em voga assim como foi apresentado nas décadas anteriores no meio acadêmico e nos diversos setores de fomentação de debate. Muito se discutiu, muitas perguntas foram formuladas, muitas tentativas de resposta vieram à baila, mas o certo é que pouquíssima coisa mudou no tocante à participação do afro-descendente nos mais variados suportes midiáticos no Brasil (e por que não dizer no mundo?), a citar como exemplos a televisão e o cinema, tirando raríssimas exceções ainda imiscuídas num universo de marginalização.

No mais recente festival de cinema Maranhão na Tela, realizado na cidade de São Luís, o debate inaugural da mostra aconteceu em cima de três premissas básicas para o descompromisso para com esta problemática até agora discutida:

1) O imaginário social;
2) A marginalidade;
3) As condições de produção cultural.

Para os cineastas e estudiosos convidados, o que se vê no panorama atual é que o imaginário social de representação da vida do negro em sociedade já está tão maculado pelos media em geral que vai ser necessário muito esforço para a mudança na esfera-alicerce deste pensamento. Geralmente, todas as formas potenciais de geração e difusão de cultura impõem à sociedade a figura de um negro combalido por si mesmo, detentor de um espaço periférico onde é perigoso ao restante da população estar, um marginalismo de atitudes e espectros de caráter que funde um ser sem muitos préstimos, sem condições de alavancar outros e mais valorizados espaços dentro de seu próprio universo e do universo do todo.

Para os debatedores em questão, o ideal é que para que a mudança seja sentida na raiz da problemática, o negro não pode mais estar apenas como figurante no trabalho cultural, mas também deter o todo do saber que é produzido a cada filme que é lançado, a cada projeto de arte que é aprovado, a cada programa televisivo que é divulgado, entre tantos outros fatores. Porque é quem dá a condição de trabalho quem propicia que o mesmo trabalho seja manipulado no ordenamento a que se deseja, portanto as consequências adversas ou não de tal procedimento são já também providas de prevenção por quem as produz. Se o negro não participa de todas as etapas da criação, seja ela qual for, o negro também ficará sempre à mercê do pensamento do outro, que domina, que está no topo da cadeia, nunca sendo o produtor de si mesmo e nunca sendo alcançado pelos “olhos que tudo vêem” do modo mais natural como é dado em sua realidade.

É preciso “botar o negro pra fazer”, como citou Sabrina Rosa, roteirista e diretora do longa-metragem Vamos fazer um brinde, que se auto-intitulou “filhote do pensamento construído pelos estudiosos da relação negro-cinema nos últimos anos”. Começando a fazer o que os outros hoje e sempre fazem, o negro vai ser o próprio conteúdo, saberá o que significa o termo entretenimento, e todos os seus desenlaces, e vai também começar a saber a quem serve as produções que estão sendo realizadas na atualidade, e deixarão de ser “barrados por também terem o conhecimento do próprio racismo”,como bem disse a cineasta carioca. Talvez, só assim a cor da cultura neste país tão miscigenado e plural seja uma só: a da união.

domingo, 3 de novembro de 2013

Ressonância


Por Germano Xavier

Ao contemplar
José Davi Alfaros Siqueiros

Davi, da garganta de
tua criança brota
uma confusão de despojos.
Um cenho, dois cenhos.
Os dois repartidos, choram.
A miséria do aço na alma
fabrica as estâncias da dor.

A gigantesca pedra rola
montanha abaixo, dura.

Davi, tuas crianças?
Dói o teu vermelho rouco.
E eu que preciso de tantas mãos!
É preciso mãos?
Sem delas, o que fazer?
Não dá para cerzir com arame
um coração combusto?
A miséria, Davi?
A indigência, Davi, está aquém
do teu pranto, este mal
de alguns. Davi, o eco
das chamas, este fogo amargo
que queima, até quando?