quarta-feira, 17 de agosto de 2011

O tempo amarelo


Por Germano Xavier

A bolsa era amarela a da menina. Tinha uma rosa pintada à mão com tinta de tecido. O tempo era também amarelo. Falso, fraco, porém amarelo. O tempo havia adormecido. A coberta do tempo era do mesmo modo amarela. Assim como o papel do bombom deixado sobre o caderno rosa. A sala estava agora vazia. Virei a cabeça na direção da cadeira em que ela se encontrava antes de ter saído e vi, dentro do papel amarelo do bombom, uma mensagem...

“Nosso coração sabe imediatamente aquilo que nossa mente custa em descobrir”.

Eu não tinha noção do vazio daquela sala vazia. Nem suspeitava do amarelo do tempo. O ar totalmente condicionado a esfriar a pouca quentura que ainda existia em meu peito. Minha mão esquerda amarela sendo capturada pelo tempo amarelo no vazio da sala vazia. Na outra mão, um livro. Um livro aberto e a cor branca da folha branca do papel manchando o amarelo do tempo.

Afinal de contas, todo tempo é maculado, um dia ele sofre como sofre o humano quando não é cristal o pranto. Um dia todo tempo fica envolto por um merecimento de cor. A glória milenar do tempo é a memória carregada no dorso, tempo do tempo... Toda cor tem um tempo, tempo de nódoas ou tempo de tinturas coloridas em verdade. Todo tempo sabe a cor que possui. E o tempo da menina era o mesmo tempo da bolsa amarela pintada à mão com tinta de tecido em rosa charco dentro do vazio daquela sala vazia. Era um tempo de volta. Tempo de uma certeza quase certa de que ela viria em algum momento. Uma espera, também, de que o tempo mudasse aqui dentro, onde estive por todo o tempo em que ela não esteve, e mudasse para outra cor.

Olhei a porta, de dentro mesmo, e nada. Nenhum sinal. Nenhum barulho lá fora. Uma pequena chuva era anunciada pelos arautos nebulosos. O tempo ainda amarelo amarelecendo o meu tempo, tornando-o cinza de tão amarelo. Um tempo sozinho, página em branco, mensagem de erro, cadeira virada, a paixão segundo o sol que desaparecia no alto de minhas vistas.

E eu relendo a mensagem no papel espelhado e amarelo do bombom...

“Nosso coração sabe imediatamente aquilo que nossa mente custa em descobrir”.

Foi quando eu percebi a maçaneta sendo girada, de dentro, no vazio da sala vazia, a maçaneta rotunda girando vagarosamente. Tão lentamente que dava tempo de pintar meu tempo de uma outra cor mais forte e pesada, cor do receio. A maçaneta rodando rotunda e amarela e agora cor de receio e cor de suspeição e cor de assunção até o estalido no fim de seu curso giratório. A porta que se abre e o amarelo sufocado do tempo que foge pela abertura cada vez maior da porta. O vazio da sala vazia sendo preenchido por uma cor sem-cor, cor de mistério.

Depois do vazamento, a surpresa do meu coração. Não era ela. Não era... e o tempo se coloriu de um outro tempo, tempo de gerar outro tempo até o triunfo da chegada real. O tempo que mata, este tempo, tempo de assassinar o teu desenho interno de gente. O tempo que é começado no justo instante em que, de novo, a rotunda maçaneta, antes amarela, é lançada ao encontro do umbral negro e metálico do tempo das portas fechadas e do tempo que ainda há de vir a ser...

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