segunda-feira, 15 de agosto de 2011

O lavrador do self


Por Germano Xavier

Sou um homem eterno. Faço de mim aquilo que espero. Por mais que eu não represente muita coisa para muita gente, quem me conheceu não me esquecerá jamais. Quando quero, não faço resenha. Sou meio personagem de Melville, o escriturário. E acredito que toda forma de poesia é uma nação. Ainda não li nada do Edward Hirsch, mas sou estojo e o conteúdo que modela. Soa premonitório por demais dizer que sou isso ou aquilo que serei, mas é que sou. Sofro de neurastenia, claudico, vivo de viver momentos agônicos e ando de Dodge Charger R/T só porque ele foi símbolo da contracultura. Aliás, sou do contra em quase tudo. O pessoal todo pensa que eu sou alienado porque não sou muito de falar. Mas por dentro eu falo tanto! Meu estropiado amigo, não se preocupe!... ainda não usei do “porviroscópio” do Monteiro Lobato. E a culpa da mania de brancura de Hitler é toda de Francis Galton. Gosto de leite e sou estapafúrdio. Minha literatura preferida nos últimos anos pode ser considerada aquela em que no enredo há sempre duas ou três personagens do meretrício. Leio e amo. Vezenquando – não se espante, é assim mesmo que quero, juntinhas-, gosto de tergiversar. Fujo de assuntos e de pessoas que não me fazem bem. Tête-à-tête é coisa rareada em minha vida. Vezenquando também penso que todo o resto do mundo é idiota, e não sei se sou mais feliz por pensar assim. A torpe humanidade não me fez pisar em formigas e dar risadas logo em seguida. Meu riso é comedido porque eu tenho medo dos “crepúsculos esbraseados”, como diria o C.F.A.. Não sou galinha ou galo, mas me empoleiro. Os arroubos precoces da noite me fazem cantar e é aí que a poesia me ocorre. Sempre acreditei que a poesia é o meu exílio, e também não sei dizer se sou mais feliz ou mais triste por causa disso. Outro Edward, agora o Said, já dizia que “poucas dores se comparam à do exílio”... e eu tomava como correta a frase e até a reproduzia nos frontispícios dos meus cadernos de escrever. Sou canastrão e meu teatro está falido. Eu falo isso de propósito, porque é quando tudo acaba que as pessoas te valorizam. Eu sei do meu valor e não entro em casa de sogra sem ser querido. Sou e sou niilista. Nada pra mim é o real. Para que perder tempo com pantufas? Prefiro minha natural natureza de ser duro e fechado. Atrás da polícia corro eu. Dou golpe de vista e ando feito o pipoqueiro. Um meteoro inteiro sumiu com meus chinelos e agora ando descalço mesmo, obrigado. E para quem não sabe o que significa a sigla C.F.A., que coloquei um pouco acima, digo que são as iniciais do Boqueirão. "Caio Fernando Abreu, morri de AIDS, prazer conhecê-lo!"... Simulacro de nós e nós somos a distância dos estrangeiros da gente. Sou daqueles que fabricam imagens só para te apunhalar no fim. Minha intransigência é o osso do meu ofício. Amo e odeio quando os outros me amam e me odeiam. Não queria que eles me enxergassem. Eu seria muito mais completo caso passasse despercebido. Mas, como te falei no início desse texto, eu sou inesquecível. Embora tenha estados de delicadeza, sou de uma linhagem humana que se afasta das pátrias e, porque não dizer, das mátrias. Incluo em minha biografia a reunião de beijos que dei na boca da vagabunda de porcelana. Igrejas já não me cativam e mato deus se for preciso. Originalmente me chamam pelo nome que me deram, mas não me agito com mocinhas que não leram Kakfa. Tenho idade de ser seu pai e tenho a idade que preciso. Sou santo lá em casa, sou imagem e até símbolo. E todo dia, eu e este meu comportamento iconoclasta, definho-me, sufocado por ser eterno, na fescenina intenção de ter uma nova cara e poder suportar o milagre deste imundo mundo.


Hoje, após o peso nas costas de todo um mitigar-se.

Nenhum comentário: