quinta-feira, 11 de abril de 2013

O irmão de Onan ainda


Por Germano Xavier

Bem-aventurados os que não sabem de si.


Se eu me dispusesse a contrariar a mim mesmo naquele momento, teria ocultado de minha memória a visão tão trágica da morte de Tamar. Ninguém aparecendo para ajudar, eu que morria junto, a caverna com a luz do dia lá fora tombando no horizonte e a sensação estranha que tem uma simples falta quando resolve perfurar um peito ingênuo. O objeto de minha paixão espatifado no terreno arenoso, estrada para insetos e bichos medonhos e albinos, agora já sem forma, sem a vida que no seu interior há pouco transbordava, sem o mesmo encanto que me encantou as vistas no instante primeiro, sem o poder de me ferir o espírito como um gume de faca amolado ao sol de um janeiro existido. Nem os seios que tão bem modelei, donos de uma improvável e mortífera cor rosácea, mamilos enegrecidos propositadamente com auréolas cor de paio defumado, nem a protuberância dos grandes lábios que arquitetei em relevos inchados e roxos, para dar a impressão de uso à vagina de Tamar que era minha, da minha única Tamar. De nada desfrutei depois do último gozo, tampouco a docidão dos lábios superiores adornados com a sinuosidade de um lascivo golpe caprichado em conveniências, a madureza sutil daquele nariz acabado na perfeita repetição das raspagens, o vinco de carne dobrada embaixo dos olhos a fazer-lhe um córrego para as águas salinas das lágrimas tão melancólicas e servis. Tamar, minha Tamar! Por quê?! Por quê?! Tamar agora em pó, dorso moído e em farelos. Farinha de mulher e pesadelo. Tamar feita da argila que agora a tinha em total interação, filha de uma mãe etérea, a terra. Minha Tamar construída e num hoje desmantelada. Tamar desfigurada desfigurando-me, me retirando parcelas do deus que havia em mim, me fazendo rastejar minhas vaidades e jogá-las ao colo dos durantes. Tamar que foi a inspiração para os meus dedos tornearem e formarem eles a forma em verdade mais composta. Minha composição sapientíssima porque pundonorosamente dotada de uma sensual ardência baseada na fome humana da alma. Eu que pensei que o conflito com o pai não haveria de existir jamais, vi-me arremetido aos braços longos e peludos do meu pretor de sangue. Pescoço distraído pela fraqueza dos músculos, olhando torto e vago o chão que andava, enxerguei a distância minha de minha paixão sendo asfaltada ao passo dos passos do meu pai, deveras já imiscuído à trama que teci com alucinada linha de febre. Tamar significaria a morte de uma mão que talha, de uma retina que sonha, de uma dança soberana e douta de que só sabem os infantamente iniciados na arte de esculpir os desejos. Fria como no começo, Tamar não se despediu de mim. Com um acenar desdenhoso, acompanhou-me até à boca da caverna na forma de poeira, empurrando-me nos olhos um punhado de cegueira passageira. Era para eu não saber do lugar onde a matei com todo o meu amor. Era para que eu não enxergasse o sempre eterno caminho para os meus infortúnios interiores, onde despejava ira e medo no sêmem ejaculado em fúria. Tamar!, Tamar!, bradei duas vezes. Não haveria resposta. Tamar estava morta e, como uma sacerdotisa da morte, permaneceria fantasma de mim por toda a minha existência. Via agora um clarão furtando a magia do esconderijo. A doença de mim se esvaindo e honestamente a percepção de um mal chupando o meu sangue, aos poucos, sugando meus derradeiros pulsos. Cada vez menos. Até sem. Já nada de pulso. A besta empalhada. Minha humanidade estática, imprestável, ainda sozinho em mim, mas sem préstimos. Eu um nada, vazio, sem poder lograr de minhas próprias ânsias, incapaz de me injetar uma porção de flama, de êxtase, de dor, de prazer. Minhas fantasias sendo queimadas, minhas personas paralíticas, minhas inseguras seguranças, meus deleites, meus urros de animal sem a epiléptica ancoragem dos meus artelhos, minhas introduções penianas no abrigo das mãos voltadas aos brutos sentimentos medidos em estouros e em lavas sendo levadas, lavadas do meu ser... Foi quando consegui abrir os olhos novamente, eu já vestido e limpo e em repouso, para somente alcançar a figura do meu irmão pequeno num dos cantos do quarto azedo, mãozinha enfiada na indumentária azul-turquesa, olhinhos de candeeiro que apascenta as coisas sombrias da noite fixos em mim, infantilmente me ferindo a córnea, dulcificamente me espetando com as agulhas do movimento egoísta dele os espetos da misericórdia, me causando um calor experiente, esculpindo com o pincel dos cílios a cegueira descumprida pelo adeus de Tamar, casa das minhas memórias, e agora sua empunhada musa.

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