terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Meu velho baú


Por Germano Xavier

Tudo o que eu penso da poesia e da arte da literatura, um dia escrevi naqueles pequeninos cadernos da adolescência que hoje guardo com zelo no velho baú da minha avó, que eu mesmo reformei numa tarde arteira e boa e que sempre acontecia lá na minha pequenina e hoje já diferente Iraquara. O baú, repintado em um tom amarronzado, fica quase escondido no meu quarto, atrás da porta, e está repleto de uma papelada antiga, coisas de quando eu tinha meus quinze ou dezesseis anos de idade e ainda tropeçava nas armadilhas das palavras – não que eu já me sinta totalmente à vontade diante delas, mas é certo que o tempo nos amiga mais e mais.

Em cima do baú, um confortável banquinho de penteadeira. Sinal dos deslocamentos incessantes e das revoluções que minha mãe sempre faz quando faxina a casa. Ainda no interior, dois ou três enredos que comecei a escrever em tardes ou noites de frenesi total e iluminação sufocante...

Não tenho dúvidas de que tudo ali é passado. Jamais retornarei àqueles papéis. Uma ou outra gente irá morrer com o abafamento da tampa fechada, com o esquecimento, com o mofo do ar preso, com as traças esfomeadas. Tudo morrerá, silenciosamente, sem a escuta das horas da vida, tão mortais. Morrerão meus primeiros poemas, tão bestinhas e confusos ao mesmo tempo. Minhas personagens, tolas e indefinidas, também sofrerão mortes temporais. Aquelas folhinhas numeradas, com etiquetas de supermercado coladas no canto superior direito das páginas, e que serviam como depósito para as notas que eu mesmo atribuía a cada poema, depois das várias leituras e dos meus “desentendimentos conjugais, pai e filho”.

Tudo, absolutamente tudo, morrerá, exceto uma coisa: a certeza de que foram aqueles poeminhas bobos e ainda sem noção da crueza da vida, aquelas pessoinhas sem rosto nem cor que brotavam da minha imaginação nas noites mal dormidas, aqueles versinhos tortos e sem vida própria, que alicerçaram o raso sorriso sábio que hoje empresto à vida. Foram com eles que, assim como aconteceu ao Carpinejar, “aprendi a girar a maçaneta” do meu mundo, que consegui pentear os cabelos dos meus sentimentos, que fui capaz de modelar a massinha do meu tempo.

E é olhando para trás, exercício que sempre pratico quando retorno à casa que me viu crescer, que penso ser melhor hoje. É um fato, inquestionável. Nada de orgulho ou convencimento, apenas um fato. Assim como é fato, também, a minha ânsia quase doentia por melhorar, sempre. Parafraseio, agora, o Mestre Pastinha, poeta da capoeira... No meu reformular frasal, escrever é, para mim, mandinga de liberdade, seu princípio não tem método e seu fim é inconcebível ao mais sábio poeta. É onde e quando buscarei minha força, meu lutar, minha voz, meu querer.

Meu velho baú, antes de definir-me, fornece a vasta indefinição de quem sou. Pois não sou poeta, sou homem. Porque ser homem basta. É ser fórmula mais que justa e capaz para sobrepujar quaisquer descrições. Meu velho baú e as pequenas coisas que ele guarda não me definem descrevendo, mas me descrevem definindo. Fui e serei minhas antigas páginas infantes, mas delas o múltiplo resultado aflorará, assim como desperta o girassol para os novos-sempre sóis do cotidiano...

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