quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Uma história de amor


Por Germano Xavier

Sou um escritor e tenho uma boa e velha máquina de escrever. Salvo os escritores de antes da invenção, para mim todo e qualquer escritor deveria ter uma máquina de escrever. Escritor que não tem uma máquina de escrever não é escritor. Desculpe-me se estou sendo radical, mas é que estamos em agosto, que é mesmo um mês de muita agonia.

Sem querer enfeitar demais a minha crônica já iniciada, preciso dizer que é muito difícil precisar a data de nascimento desse invento. Mas fiquemos com o nome do inglês Henry Mills em nossa memória. Foi ele que, no ano de 1713, conquistou a primeira patente para um protótipo do objeto. Pellegrino Turri, italiano da mais alta sociedade, também corre por fora nesse dérbi. Em 1808 ele inventou um artefato de que só temos notícia hoje, devido às cartas que ele escreveu para uma amiga cega com quem se comunicava, destinatária do objeto - e pensar que em 1808 ainda estávamos pensando em "independência".

Todavia, para não dizer que não falei das flores, um tal de Francisco Azevedo, brasileiro, criou um objeto semelhante que causou um verdadeiro rebuliço na Feira Internacional de Recife, em 1861. Depois disso, surgiram nomes e mais nomes, marcas e modelos distintos. A brincadeira transformou-se em negócio, em linha de produção, e o final da história todo mundo já sabe. Mas não estou aqui para contar a história da máquina de escrever, e sim para contar a história de amor e paixão que tive na adolescência, lá por volta dos meus menos de quinze anos de idade.

Lembro que, em minha infância, quando eu entrava numa casa de algum morador da minha cidade natal Iraquara e via uma máquina de escrever descansando sobre uma escrivaninha ou qualquer outro sustentáculo, metida a figurar como um objeto qualquer dentre as tradicionais mobílias antigas bastante apreciadas pelos iraquarenses, ficava eu imaginando "O dono desta casa deve ser um escritor. Olha que máquina bonita!" Era babação mesmo, perplexidade.

Ali, ao lado dela, eu acabava idealizando um mundo feito de palavras, um universo de letrinhas que surgiam na folha em branco quando alguém ousasse tocar aquele "instrumento musical". Para mim, os sons que uma máquina de escrever emite são os mais apaixonantes que existem. Cada um com um timbre diferente, com uma afinação particular. Cada tipo é um acorde único e cada tecla batida é um esforço sentimental do ser humano, revelam um manifesto de desejo e de esperança. Realmente único o tempo de se ouvir.

Quando completei treze anos, ganhei minha primeira máquina. Não foi bem um ganhar, mas assim considero. Meu padrinho Tibiro, que já tinha me dado uma bicicleta e um carrinho de controle-remoto, presenteou-me com uma nota de cem reais. Sim, 100 reais! Na época, e ainda mais para um menino de treze anos, era realmente uma fortuna. Disse ele que assim seria melhor, pois que eu poderia comprar o que eu quisesse. Eu tinha apenas 13 anos de idade e cem reais no bolso.

Bem... vou contar uma coisa, mas não pense nada de ruim acerca de mim. É que naqueles idos a última moda entre os meninos iraquarenses da minha idade, pelo menos na minha cabeça, era a de matar lagartixas e passarinhos com espingarda de chumbinho, ou de pressão, como preferir. Foi mesmo uma revolução. Eu que tanto atirei pedra com beca feita com galho bifurcado dos pés de planta do quintal lá de casa ou compradas já prontas nas feiras de sábado...

Pois bem, dito e feito. Eu já sabia o que comprar com o dinheiro que tinha ganhado do meu padrinho: uma reluzente espingarda de chumbinho CBS. Para isso, guardei a quantia até o final do ano. Era quando íamos para o Agreste pernambucano, passear e rever a família do meu pai. Sabe como é, férias em novas terras... sempre uma novidade. E assim aconteceu.

Chegado o grande dia da minha vida! O dia em que compraria uma legítima espingarda de chumbinho CBS. O valor era esse mesmo, não ia sobrar troco. E eu nem faria questão. Meu pai me levou numa grande loja de variedades. Certamente, lá eu iria encontrar o objeto que tanto queria. Entrei veloz. Saí pedindo informações:

- Por favor, onde fica o setor de armas?

Aquilo soava estranho para uma criança de recém-completados treze anos de idade. Segui as dicas. No segundo piso, à direita do corredor principal, deparei-me com o balcão de armas. Acelerei os passos sem imaginar que, para se chegar ao balcão onde estaria a minha tão adorada espingarda de chumbinho CBS, teria eu de atravessar antes um corredor repleto de máquinas de escrever. Isso mesmo, prateleiras e gôndolas recheadas de máquinas de escrever, de diversos modelos e preços. Eram de tamanhos e cores e marcas variadas.

Quase tive um troço, como se diz por aí. Foi paixão à primeira vista. Eu: uma criança de treze anos de idade e cem reais no bolso que na noite anterior havia sonhado com uma fantástica espingarda de chumbinho CBS. Ela: uma Olivetti Lettera 25 portátil, de fabricação mexicana. Não hesitei. Foi amor. Olivetti foi o nome da minha primeira paixão.

Naquele mesmo dia firmamos um compromisso para a vida inteira. Não, não restavam dúvidas, o que eu sentia por ela era mesmo o amor. Não haveria palavras que pudessem descrever o quanto eu a amava e o quanto eu ainda a amo. Viajamos juntos para diversos lugares. Juntos, sempre, eu e ela. Uma companheira inseparável - sem falar que ela jamais me decepcionou. E quando fico longe de Olivetti a saudade torna-se insuportável.

A bem da verdade é que nunca aprendi a arte de matar. E se algum dia conjuguei desse verbo, fiz sem pensar. Eu não seria um bom atirador nem daria para ganhar a vida como atirador de aluguel, comendo calangos, passarinhos ou codornas fritas ao fogo da noite escondida. Talvez esta crônica não existisse se tudo isso que acabo de contar não tivesse acontecido da maneira como aconteceu. Ai de mim, Olivetti!

Drummond, deixe as formigas em paz!

3 comentários:

Germano Viana Xavier disse...

Crédito da imagem:

"bird of prey by ~CarolinaBorges"
Deviantart

Jullio Machado disse...

Bela crônica. Isso me fez lembrar que eu tenho uma máquina lá no rancho; e o mesmo precisa de uma geral; limpeza. Através desse texto me sinto inspirado a ir atrás dessa máquina de escrever, e, vou aproveitar pra dar aquela geral no bagunçado rancho.Quem sabe eu não encontre algo valioso para vender para "os caçadores de relíquias"; mas a minha máquina de datilografar eu não me desfaço por valor nenhum...
Abraços!

Artes e escritas disse...

Existem certas antiguidades que eu preservo, a máquina de escrever da marca Royal, de ferro, é a minha querida, a Lettera Olivetti veio depois. A Royal , hoje objeto de decoração, eu não empresto, não vendo e não gosto que fiquem cobiçando. Um abraço, Yayá.