terça-feira, 26 de abril de 2011

As casinhas de alegria com fim


Por Germano Xavier

Desapareceu aquele palhaço da minha infância, que surgia esporadicamente, tacitamente, e que sempre cumpria estadia na praça da minha cidade, bem em frente ao hospital.

- A minha infância não é tão longe assim - pensou o jovem já quase velho. - Por isso sofro ainda com a viva lembrança daqueles cirquinhos de meia-tigela, pousados sobre o chão empoeirado daquela praça, praça abandonada, tentando tocar o céu inigualavelmente azul-estrelado de Iraquara, beijar a dona da noite e conclamar todos os sorrisos para o passeio no bonde chamado felicidade.

Eram rotineiras as aparições. Chegavam sempre de mansinho, e a cidade ainda lenta só espalharia a notícia depois de fincados os mastros principais.

A gente jogando bola na rua ou soltando pipa na frente do cemitério e uma meia dúzia de artistas vestindo fantasias em farrapos, leões fedorentos, macaquinhos esfomeados, a menininha nômade de cabelos loiros por quem sempre me apaixonava - que na minha imaginação saltava do alto e dava rodopios de borboleta na frente de todo mundo -, dentro daquelas lonas desgastadas, remendadas e já sem vida, sem cor, carregados pelo carro de som divulgando o espetáculo das 20 horas. Um som sujo, chiado, quase incompreensível. O palhaço na frente fazendo o que só ele saberia fazer, palhaçadas e peraltices. A garotada em cima do muro esperando o tempo certo de vestir uma roupa e sentar e rir sem fim, aquele tempo, aquele tempo tão esperado que não passava nunca.

Pensando bem, quanta falta faz a alegria, mesmo a alegria comprada, advinda de um ingresso ou de um saquinho de pipoca sem gosto nenhum, senão o da felicidade.

Eu, caído mais em mim do que pelas coisas mundanas, eu me lembro muito bem da entrada sombria, repleta de lâmpadas cansadas, das cortinas penduradas cheias de remendos e cortes. A arquibancada, erguida em madeira ruim, sempre dava a sensação que alguém, em algum momento, iria despencar no primeiro acesso de riso solto.

Mas a vontade de rir era mais forte que todos os perigos da felicidade - e como é perigosa a felicidade verdadeira da infância! O circo parecia ter vida própria, assemelhava-se a um ser humano, um homem velho com o dorso torto de tanto carregar o peso da incerteza, da dúvida perante o amanhã sofrido, sem show, sem platéia, sem sangue percorrendo suas veias, o picadeiro.

Era quando a noite ruía e já no interior do cirquinho, a voz anunciando nos iluminava de um prazer indescritível, em péssima equalização sonora:

- E hoje, tem espetáculo?!

E todos respondendo, para e na direção de um senhor que nunca conhecemos, que nunca vimos o rosto, mas que nas nossas cabeças existia, sim, e tinha a feição e a compleição de um palhaço velhinho, provável proprietário da caravana:

- Tem sim, senhor!

Mas de um palhaço mesmo, artista que aprendia a arte do riso no próprio circo, e não de um Clown, artista estudado em escolas e cursos circenses. O meu palhaço, o palhaço iraquarense, o nosso bufão, era palhaço sem diploma, era o palhaço que precisava ser na hora em que estava no picadeiro, que nos dava passagem, tecnologia humana de ponta, feito de improvisos e instantaneidades.

Mas aquele palhaço desmiolado e que usava um baita de um sapatão preto e branco envelheceu, o Biancorino que tanto caminhou ao meu lado, o Aziz, o Carlitos, o Carequinha, o Benjamim de Oliveira, o Bozo sem técnica, todos o bobos, o Mixuruca, o Biribinha, os Dangas do Egito Antigo e até a Hilary Chaplain, todos eles, sem exceção, envelheceram em minha alma, assim como na alma de todos que viveram a felicidade estrangeira que Iraquara proporcionava naqueles tempos.

Hoje estão petrificados, empalhados e suspensos em alguma parede dos nossos corações. Todavia, a criança que ainda vive em nosso peito, ainda espera aquele carrinho velho passar com toda a trupe, sem farol e fumacento, pobre em adereços e rico em magia, na porta de casa, extremamente capaz de nos revelar a indelével e fantástica surpresa de um sorriso no rosto.

2 comentários:

Germano Viana Xavier disse...

Crédito da imagem:

"y se fue del Circo... by ~kperusita"
DEviantart

Ira Buscacio disse...

Lindo saber-te infância na minha insônia.
Bjs, meu