domingo, 9 de janeiro de 2011

Buena Vista Social Club


Por Germano Xavier

Resistir como símbolo maior da perpetuação de uma vida, de uma história - nesse caso, de várias vidas e de várias histórias. A música serve para isso? Em se tratando de luta, um território propício ao uso de tal termo é o cubano. Ou tudo foi mesmo espetacularizado e nada mais irreal considerar? Distante pouco mais de 150 quilômetros dos Estados Unidos da América, o único país socialista – ainda é plausível tal definição? - do continente americano foi o palco principal para a realização do documentário Buena Vista Social Club, que tem como diretor o consagrado Win Wenders, mestre na arte de documentar. O filme, que contou com cenas gravadas em diversos países, tais como Alemanha, Estados Unidos e França, além da própria Cuba, alcançou posição de destaque nos festivais de que participou, levantando o público e obrigando loas quase que intermináveis em grande parte das platéias. Mas, até onde o poder da manifestação artística pode chegar? Até quando a melodia de uma música enraizada, como é o caso da que o grupo musical retratado faz, pode soar mais forte que os clangores e estalidos metálicos do espectro cultural regado ao artificial e gratuito do mundo em que vivemos? Quais os limites ou as fronteiras da música, da boa música? Certamente, após assistir ao documentário, que possui 101 minutos de duração, fiquei com a nítida impressão de que para a música não existe barreira, que nada ou quase nada é capaz de impedir que a produção do som reverbere uma vibração de ordem construtiva ou destrutiva, não importa – importa?. E o melhor de tudo é perceber que a música também ultrapassa as trincheiras do tempo, tendo em foco que os protagonistas do evento estavam com idades entre os setenta e os noventa anos. Indubitavelmente, uma espantosa e, ao mesmo tempo, deliciosa redescoberta de toda uma geração de grandes músicos que, enfrentando inúmeras dificuldades, conseguiu abrilhantar novamente os campos da arte musicada. E o fizeram com muito orgulho e acurácia. O recheio de tudo isso é uma grande história de amizade e companheirismo, assim como de batalhas e conquistas. Luis Barzaga, Joachim Cooder, Ry Cooder, Julio Alberto Fernández, Ibrahim Ferrer, Carlos González, Rúben Gonzalez e mais outros vários componentes, acabaram registrando ao mundo uma marca que, precisamente, ficará para a posteridade. Tudo começou quando, no ano de 1996, o guitarrista Ry Cooder produziu um disco intitulado Buena Vista Social Club, onde colheu e armazenou recortes de velhos temas da música cubana. Não demorou muito e o disco foi premiado com um Grammy. Pronto. A tenda já estava aramada, só faltava reunir o "rapaziada". Essa reunião também não tardou muito e logo em 1999 o grupo foi convocado a reviver o passado, revelando ao mundo todo o "desencadeamento e desenvolvimento" dos "Buena Vista". Wenders passeia por Cuba, revelando em cada nova cena um retalho de uma antiga e demorada história de isolamento e resistência. A sociedade cubana, o seu atual estado, a sua população que carece de muitas coisas, o sentimento mesclado de fúria e orgulho que marca os semblantes das pessoas de uma geração que permanece à margem do progresso global, também são personagens contundentes e sufocantes no e do documentário. Um projeto onde os músicos não apenas contam suas histórias particulares, mas de toda uma nação, no mínimo, classificável como diferente das demais. No entanto, culpa-se "Buena Vista" de ser um material extremamente ambíguo, profundamente ideológico e que, de alguma maneira, tenta vender o modelo de vida norte-americano para o restante do planeta. E a bem da verdade é que não tarda muito para que percebamos as suas "questionáveis" intenções – estaria louco eu? Tenta-se criar uma atmosfera cult sobre o filme, localizá-lo como manifesto social preocupado em retratar a realidade daquele determinado país, de colocá-lo como um produto do gênero alternativo, entre outros mecanismos. Todavia, o que se vê são recursos até certo ponto medíocres e banais, que só ajudam a elaboração de mais pareceres polêmicos. Outro ponto a se destacar é o fato de que Ry Cooder ser americano e não um cubano. O "Buena Vista Social Club", que é o nome de um antigo clube em Havana, foi descoberto pelos americanos - e aí você pode imaginar as consequências várias de tal afirmação. Tudo está envolto numa densa cortina de fumaça. Porém, a tentativa de fazer um cinema transparente é logo destruída e, por certo ponto de vista, até facilmente. A recompensa para tanta exposição e tanto talento e tanto trabalho estaria em uma apresentação no teatro mais famoso do mundo? E onde, adivinha? Foi isso que, numa análise muito pessoal, foi a mim passado. Sem querer esquecer, é preciso refletir também sobre o deslumbramento dos músicos cubanos quando estão passeando entre os gigantes edifícios de Nova York, já no final do documentário. Não sou o mais indicado a falar de cinema, mas, para mim, não é um cinema experimental ou inovador em algum sentido, talvez seja a frase mais cabível para uma produção como essa que, mesmo tão discutível, apaixona os amantes da boa música e, porque não dizer, os amantes do bom cinema. Cinema verdadeiro ou não, a conclusão deixo na mão de vocês.

2 comentários:

Germano Viana Xavier disse...

Crédito da imagem:

"Cuba life
by ~MEYSON-KAPUERO"
Deviantart

Wilson Torres Nanini disse...

Buena Vista mostrou que nas tripas decadentes de Cuba há muita poesia.

Abraços